Uma questão de mentalidade
A realidade do ciclista moderno foi recentemente descrita pelo Matteo Jorgenson, na sua conta de Twitter. Como olhas para esse exemplo?
Eu acho que é um grande exemplo que o Matteo deu e sei que deu alguma polémica, mas para mim a pergunta não tem nada a ver com a equipa [Movistar Team]. A equipa não fez nada de mal. A questão é a mentalidade do atleta. Ele tem a responsabilidade de tentar sacar o melhor da carreira dele. E claro que a equipa também investe, não é? Mas, para mim, ele fez exatamente o que devia de fazer, que é acreditar nele, investir nele próprio, para poder melhorar o próximo contrato dele. Todo o dinheiro que ele gastou agora, que na realidade não é muito, ele vai buscar no próximo contrato dele vezes 10, pelos resultados que obteve. Nesta pergunta, que acho muito interessante, consegue-se ver a diferença entre a mentalidade portuguesa/europeia e a mentalidade americana.
João Correia
Matteo Jorgenson, ciclista norte-americano da Movistar Team, criou inadvertidamente polémica quando, há quase um mês, usou as redes sociais para apresentar, com toda a transparência, as melhorias que operou, por iniciativa própria, à sua preparação para as provas. Lendo a thread, a maioria dos utilizadores começou a fazer contas às despesas do ciclista e daí, partiram para a crítica da equipa espanhola, por não providenciar essas condições de base. Porém, segundo João Correia, esta situação demonstra apenas uma profunda diferença de mentalidades, à qual ele está sempre atento enquanto agente.
Então, ao certo, onde está essa diferença de mentalidades?
A diferença é: Qual é o senso de responsabilidade que tu, como indivíduo, tens contigo? Estás à espera que outros façam por ti? Ou estás disposto a fazer por ti, porque na realidade estás-te a beneficiar a ti? Essa é a grande diferença. A autonomia do indivíduo dizer ‘eu quero ser o melhor do mundo, eu acredito em mim, acredito no meu potencial, sei exatamente o que tenho que fazer para lá chegar, sei o tipo de trabalho que tenho que fazer, sei o tipo de pessoas que tenho que contratar e estou disposto a fazer isso, porque isso vai-me trazer resultados positivos’; em vez de pensar e estar à espera que outros façam isso, porque têm a responsabilidade, ou não, de fazer isso […]. Naqueles que fazem, vê-se a diferença.
João Correia
São ciclistas com esta mentalidade que João Correia procura e já encontrou em bom número, inclusive em Portugal.
E acreditas que o João Almeida e os outros ciclistas portugueses que trouxeste para o World Tour têm essa mentalidade?
Sim, eu acho que eles têm essa mentalidade, e quando não a têm, têm acesso a pessoas e a formas de lhes ensinar como fazerem melhor. Porque, na realidade, nós todos os dias estamos a aprender alguma coisa e a questão é, se assimilamos essa informação e mudamos a forma como fazemos as coisas, ou não, especialmente quando estamos a ir para outros mundos onde vamos ganhar a nossa vida. Mas a mentalidade é a coisa mais importante. Tu podes ter o talento todo, mas se tu não arranjas maneira de ver qual é esse talento, e não arranjas maneira de ver esse talento na idade correta, e não metes o trabalho para desenvolver esse talento, não chegas a nenhum lado. O mundo está cheio de pessoas que podem ser as melhores em alguma coisa. O problema é que a maior parte das pessoas nunca veem qual é esse talento. Tu podes ser o melhor pianista do mundo, mas se nunca te sentaste à frente de um piano e ninguém te deu lições, nunca vais reconhecer isso.
João Correia
Discutimos o que faz um bom ciclista. Então, para terminar, o que faz um bom agente?
Tens de ter competência, tens de ter experiência para lidares com os temas que estás a lidar, mas a coisa mais importante para um bom agente é o senso de responsabilidade, sempre que tomares decisões ou, pelo menos, aconselhares. Nós não tomamos decisões pelos atletas, mas aconselhamos sempre o melhor para o interesse deles. A coisa mais importante é a responsabilidade fiduciária, que não existe muito no mundo dos agentes.
João Correia
Agradecemos ao João Correia a disponibilidade por nos conceder esta entrevista e desejamos-lhe continuação de um bom trabalho na projeção do talento dos atletas portugueses no ciclismo internacional.
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