Portugal, nação periférica
Considera que, na altura em que começou o projeto, o ciclista português, enquanto arquétipo, tinha má reputação?
Sim. Quando eu comecei a agência, já haviam alguns ciclistas lá fora: o Rui Costa, o Nelson Oliveira e claro, aqueles que vieram antes deles, como o José Azevedo. Mas eram todos ciclistas com grande reputação. O que não tem grande reputação lá fora, e ainda não tem, é o ciclismo nacional. Portanto, a partir do momento em que um atleta sai do país, tem acesso a coisas diferentes e isso não faz grande diferença [em termos de reputação]. O grande problema que havia naquele tempo era meter lá fora os miúdos que ainda não eram conhecidos. E, graças a Deus, hoje em dia isso já não é um problema. Todos os ciclistas que são profissionais lá fora hoje, ou tiveram connosco algum tempo, ou tivemos alguma mão na carreira deles. E muito disso, especialmente os ciclistas como o João Almeida, os irmãos Oliveira, o André Carvalho, teve a ver com a nossa possibilidade de metê-los na equipa do Axel Merckx [Hagens Bermans Axeon], onde é o primeiro passo deles na internacionalização.
João Correia
A Hagens Bermans Axeon é amplamente considerada como a melhor formação de ciclistas do mundo e onde, atualmente, António Morgado e Gonçalo Tavares trabalham para seguir as pisadas dos ciclistas portugueses que por lá passaram e hoje correm no World Tour.
Como surgiu então a oportunidade de trabalhar com o Axel Merckx, para fazer essa ponte?
Nós já tínhamos lá alguns ciclistas, porque trabalhamos muito com ciclistas dinamarqueses e de outros países da Europa, já tínhamos alguma credibilidade com ele [o Axel Merckx]. Quando pudémos sugerir um ciclista português, ele deu a esse ciclista uma oportunidade. E depois esse ciclista esteve bem, ganhou corridas, mostrou que era bom miúdo, aprendeu inglês; o Axel gostou dele e deu a oportunidade ao segundo ciclista português e cada um deles trouxe sempre outros atrás, o que foi muito importante.
João Correia
Rúben Guerreiro (em 2015 e 2016) foi o pioneiro desta oportunidade e o sucesso do ciclista português na adaptação à realidade da equipa Axeon influenciou as vindas de Rui e Ivo Oliveira (em 2017) e claro, de João Almeida (em 2018).
Acreditas que a reputação internacional de cada país é importante?
Sim, isso existe. Agora tens de dar a volta a essas situações, cada pessoa é diferente e tens de saber contar a história dessa pessoa para arranjar as oportunidades. Mas países como Portugal, Colômbia, que nunca foram tão fortes, tiveram um grande problema em ultrapassar isso. A Colômbia também teve, houve tempos em que ninguém queria um ciclista colombiano e depois chegou a moda que os ciclistas colombianos eram os melhores. São ciclos que acontecem, não é? Nós estamos na periferia do ciclismo mundial, não estamos no centro, a Colômbia é igual.
João Correia
O mito da nação é fundamental, até no ciclismo, e foca-se na travessia de um caminho onde passado, presente e futuro se cruzam, e isso acarreta uma certa responsabilidade:
Cada um vem a seguir o caminho dos que vieram atrás e no caso do nosso país, esses caminhos começaram a ser abertos por pessoas como Alves Barbosa, Joaquim Agostinho, depois corredores como Joaquim Gomes, Acácio da Silva, José Azevedo, são eles que abriram as portas para os outros. Estamos todos a criar uma história em cima dos passos deles e a abrir espaço para os que vêm a seguir. Temos essa responsabilidade, para com os que vieram atrás de nós e os que virão à nossa frente.
João Correia
Qual vai ser a próxima nação a afirmar-se no ciclismo?
Eu não tenho a mínima ideia. Estamos a viver agora um momento em que a Eslovénia, um país tão pequeno, tem tantos atletas e tão bons. O importante é que haja oportunidade para estes miúdos conseguirem competir no internacional. Desde que eles consigam sair dos países da periferia e integrar-se nos países centrais do mundo do ciclismo, eles têm a oportunidade. Sem essa oportunidade eles não conseguem subir, só de vez em quando aparece um que é tão bom que consegue subir mais tarde. Mas hoje em dia, os ciclistas, já nos juniores, têm de começar uma carreira internacional.
João Correia
Falando de países da periferia, o percurso de Aleksandr Vlasov é outro bom exemplo de um ciclista que, enquanto indivíduo, conseguiu sair do seu país – a Rússia – para agarrar a oportunidade de uma carreira internacional ao mais alto nível. Mas se a oportunidade é chave, então o que acontece àqueles que nunca a têm?
Vês ciclistas em Portugal que nunca conseguiram sair, mas podiam ter tido essa oportunidade?
Eu não tenho grande conhecimento do ciclismo nacional, mas eu lembro-me de correr cá quando era júnior, nos tempos do Cândido Barbosa, e havia muitos ciclistas muito bons e eu acho que continua a haver. Portugal é um dos países com mais talento jovem, mas esse talento tem que ter oportunidade, tem que sair e tem que ter mentalidade. A coisa que mais falta em Portugal é a mentalidade. Os ciclistas e as pessoas não têm a mentalidade necessária para fazerem os sacrifícios para terem sucesso. Ninguém nos deve nada e não podemos estar à espera que nos vão dar as coisas. A única coisa que precisamos é da oportunidade. No momento que temos essa oportunidade, temos que estar abertos a fazer a vida. Temos de pensar mais como emigrantes: fazer a mala, ir trabalhar, fazer a vida, e depois de ter a vida feita, regressar ao país-natal.
João Correia
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