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Tota Magalhães: Quando os sonhos moldam a realidade

Por Juliana Reis

Chegou a Vuelta España Feminina! Com sete etapas de Barcelona ao Alto de Cotobello, nas Astúrias, esta é a terceira edição de uma grande volta que é um palco de muitos sonhos. O dorsal 103 carrega os sonhos de Tota Magalhães. Porém, para encontrar o perfil dela no Pro Cyclings Stats é preciso escrever Ana Vitória Magalhães. No Brasil, as alcunhas são comuns, mas esta não tem uma razão específica: Tota apenas gostou de ‘Tota’.

A atual campeã brasileira de contrarrelógio descreve-se como uma “menina sonhadora” que sempre viveu o desporto. Sonhou em ser ciclista profissional e agora é, no World Tour. Está a viver o primeiro de dois anos com a Movistar Team. “É uma equipa pela qual tinha um grande carinho”, afirma.

Foto: Movistar Team

O início do sonho 

Tota nasceu numa família onde o desporto é tradição. Começou no futebol, mas todos os anos a família fazia o ‘Pedal de Natal’, um passeio de bicicleta natalício até ao Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Aos 14 anos, a sua curiosidade despertou: “Pedi à minha mãe para ir, mas ela disse-me que não, precisava de um pouco de treino para participar.”. E assim Tota pegou na bicicleta e começou a treinar; apaixonou-se pelo ciclismo.

A “menina sonhadora” não deixa de ser trabalhadora: “Se eu coloco algo na minha cabeça e tenho um objetivo claro, eu vou fazer de tudo para chegar lá.” Mas ela contrabalança a resiliência com uma energia leve, que é sentida por todas e todos à sua volta: “Trago boas energias. Quando tens esta energia dentro de ti, atrais coisas boas. Acho que é esta mentalidade e é com esta Tota que tento viver.”

Do Brasil à Europa

Tota Magalhães definiu o objetivo de ser ciclista profissional em 2019, mas a pandemia dificultou a sua ascensão. Ela sentiu-se “presa” no Brasil, sem poder competir durante dois anos. Nessa altura, os seus treinos eram de 20 a 25 horas semanais de rolos. Só que o objetivo permaneceu e ela sabia que tinha de começar a ganhar corridas no Brasil. 

A “menina sonhadora” começou a ganhar o seu nome, vencendo diversas corridas no Brasil e participando nos Campeonatos Pan-Americanos. Mas ela percebeu que, para evoluir até ao mais alto nível do ciclismo mundial, precisava de sair da periferia e entrar no centro: a Europa. Porque a um oceano de distância é que se concentra a elite do ciclismo, que oferece estrutura, calendário competitivo e competição com as melhores ciclistas do mundo.

Depois de muito trabalho e crença, a oportunidade chegou: “Recebi uma chamada a perguntar se eu queria correr na Vuelta como estagiária de uma equipa. Eu nunca tinha corrido fora do Brasil, mas eu pensei: eu quero isto, por isso vamos já! Vou-me lançar ao fogo e ver se consigo sobreviver.”

E foi assim que Tota viajou para outro continente, à procura do seu sonho. Enquanto o seu nome cresce agora na Europa, já é uma referência no Brasil, não só por exemplo, como também por iniciativa:

“O Brasil é gigantesco, a quantidade de talento que temos/ devemos ter e que não está a ser usada é enorme. Para mim temos de tentar colocar a cultura da bicicleta no Brasil, igual ao futebol, ao surf… O ciclismo pode vir a ter relevância. Neste momento tenho alguns projetos que apoio que se focam no uso da bicicleta como ferramenta de educação: projetos de escolinhas, uso da bicicleta como forma de transporte, etc. E partindo deste princípio, tentar encontrar jovens que queiram fazer do ciclismo profissão. Eu espero ser uma fonte de inspiração para a nova geração.”

Foto: Movistar Team

Batismo de Vuelta

Em 2022, do “nada”, como Tota nos diz, veio para Espanha correr o oitavo Ceratizit Challenge by La Vuelta, que na altura tinha quatro dias. Desde então que a corrida ganhou um estatuto superior: atualmente é La Vuelta España Femina by Carrefour.es, com sete dias de competição. Ainda assim, a ciclista brasileira fez a sua estreia naquela que, com um elenco de luxo, já era uma das corridas mais importantes do calendário feminino.

“Esta era a resposta que eu precisava para saber que isto [ciclismo profissional] era o que realmente queria. Logo na primeira etapa, estava a alinhar com as minhas ídolas, Van der Breggen, Annemiek van Vleuten, que corria pela Movistar. Estava lá a minha equipa de sonho, a Movistar. Eu só pensei: eu preciso voltar para cá [Europa].”

E assim foi. O sonho cumpriu-se em definitivo em 2023, quando Tota assinou com a equipa espanhola Bizkaia-Durango. Este capítulo foi essencial para o crescimento da atleta brasileira como ciclista profissional: “ Foi neste ano que aprendi a correr de bicicleta.”. Comparativamente ao Brasil, o calendário europeu tem muitas mais oportunidades para as atletas competirem: “Passei de 15 provas ao ano, no máximo, para passar a correr quase 50 corridas”. 

“Foi um salto importante, sempre com a mentalidade de aprender o máximo. Eu sabia que estava ‘meio atrasada’ comparativamente com as atletas da Europa. Quem está na Europa vive e respira ciclismo desde criança. Eu precisava de ser uma esponja e extrair tudo o que poderia da equipa”, explicou Tota Magalhães.

2024 nos livros

O desempenho de Tota Magalhães no seu priemiro ano na Europa abriu portas para equipas de maior expressão. Em 2024, ela assinou pela equipa italiana BePink-Bongioanni. Entrou nesta equipa com a mesma mentalidade de aprendizagem, mas também com o objetivo de se mostrar nas corridas, incluindo o Giro d’Italia Women.

“Fui muito realista, eu sei que não conseguia ganhar uma corrida, então como vou chamar a atenção das equipas? Assim comecei a sair nas fugas. Comecei a ler a corrida, a entender melhor a dinâmica do pelotão e os momentos certos para sair.”

Tota sublinha que a evoução nos desportos de endurance tem as suas particularidades; no ciclismo, leva tempo: “Todos temos o nosso tempo de desenvolvimento, isto foi a minha grande aprendizagem, e só temos de continuar a trabalhar no nosso próprio caminho.”

Na segunda etapa do Giro d’Italia Women 2024, Tota conquistou Maglia Azzurra, símbolo da liderança na classificação da montanha. A etapa, com 110 km entre Sirmione e Volta Mantovana, era maioritariamente plana, mas incluía duas subidas categorizadas em Cavriana. Ela escapou do pelotão logo após o início da etapa e passou em primeiro lugar nesses prémios de montanha, assegurando a liderança na classificação. Apesar de ter sido alcançada a menos de dois quilómetros da meta, a sua longa fuga seria decisiva para o seu futuro.

Foto: Movistar Team

Movistar, “equipa dos meus sonhos”

Após uma temporada de destaque, Tota Magalhães foi anunciada como reforço da Movistar Team para 2025-2026, tornando-se a primeira brasileira a integrar uma equipa feminina do UCI World Tour.

“Fui conhecendo as pessoas da equipa, nas diversas corridas. A equipa demonstrou-se curiosa com a minha capacidade, na minha facilidade de ir para a fuga. O bater do martelo deu-se no Giro d´Italia, quando vesti a Maglia Azzurra e quase ganhei a etapa. Foi aí que as coisas avançaram.”

A entrada na Movistar Team foi um sonho tornado realidade – era literalmente a sua “equipa de sonho”. Esta equipa pode então ajudá-la a alcançar os seus objetivos, mas por agora está num período de adaptação: “Vim de um equipa continental, onde todos os custos eram suportados por mim, todos os profissionais que me acompanham. Agora estou numa equipa que me proporciona tudo”.

Mesmo estando num processo de adaptação, a equipa não a deixa “numa caixa fechada”, dando-lhe espaço para se movimentar. Assim, ela nas suas colegas tanto um apoio como um exemplo: “Temos sorte nas nossas líderes principais, a Liane [Lippert] e a Marlen [Reusser], posso aprender muito com elas e com a sua experiência. Sei que tenho muito a aprender”.

O seu grande objetivo passa por fazer um bom trabalho com a equipa, ajudar as líderes da equipa nestes dois anos. Por outras palavras, “ser a sua principal domestique”. Mas se tiver a confiança da equipa, gostava de ter alguma liberdade. A equipa ainda está a trabalhar para perceber o seu potencial. Este ano Tota já teve a oportunidade de alinhar em corridas importantes do calendário World Tour feminino. Atualmente corre a Vuelta a España

Tota na Vuelta a Espãna Feminina

A Vuelta a España Femenina 2025 decorre de 4 a 10 de maio e conta com sete etapas ao longo de 750,8 km, atravessando regiões como Catalunha, Aragão, Castela e Leão e Astúrias. A prova começa em Barcelona com um curto contrarrelógio por equipas de 8,1 km, seguida de uma etapa ondulada entre Molins de Rei e Sant Boi de Llobregat. As etapas seguintes alternam entre percursos planos e de média montanha, proporcionando oportunidades tanto para sprinters como para ciclistas mais versáteis. O grande teste de montanha chega na quinta etapa, com final nas emblemáticas Lagunas de Neila, e a decisão final acontece na sétima etapa, uma das mais duras de sempre, que termina em alto em Cotobello, depois de superar o Alto de la Colladona e o Alto de la Colladiella. 

A atleta brasileira está de volta ao local onde a sua jornada na Europa começou, alinhado na sua 3ª Vuelta a España Feminina, mas desta vez pela Movistar Team. “Este ano, vou alinhar na minha 3ª Vuelta Feminina, com a equipa dos meus sonhos. Estou realmente muito feliz.”

A Movistar Team apresenta-se na Vuelta com um elenco de luxo, apostando na luta por vitórias em etapas e também pela classificação geral. A formação espanhola parte de Barcelona com sete ciclistas: Liane Lippert, Mareille Meijering, Marlen Reusser, Cat Ferguson, Olivia Baril, Sara Martín e, claro, Tota Magalhães. Lippert, com seis participações e vitórias em etapa em grandes voltas, é uma das líderes, enquanto Reusser, também vencedora de etapas, reforça a ambição da equipa. 

“Nós entramos sempre nas corridas para ganhar, esse é o objetivo da equipa. Sabemos que há outras favoritas, mas nós temos uma das equipas mais fortes. Esperamos dar um bom show. Acho que é uma Vuelta que vai ser definida nas ultimas duas etapas, o nosso objetivo passa por defender as nossa lideres e poupa-las ao máximo. Estou animada!”

Com uma história marcada por determinação e resiliência, Tota Magalhães promete continuar a sonhar e a dar o seu melhor. É um verdadeiro exemplo para os potenciais talentos do ciclismo brasileiro, mostrando que é possível brilhar na Europa sem nunca deixar de representar o seu país com orgulho – como o fez nos Jogos Olimpicos 2024. O seu percurso está a inspirar jovens ciclistas e reforça a importância de investir e acreditar no desporto nacional. Continuaremos a acompanhar a “menina sonhadora” e desejamos o maior sucesso à Tota e a toda a equipa Movistar para a Vuelta Femenina 2025!

Foto: Juliana Reis

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