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PCMScience #1 – Treino em altitude: como e porquê?

Diferentes modelos de treino em altitude

Existem diferentes modelos de treino em altitude que podem ser implementados, embora o consenso científico relativamente ao melhor método está longe de ser alcançado. Destacamos aqui os três principais modelos: viver e treinar em altitude (VA+TA), viver em altitude e treinar a baixa altitude (VA+TB) e viver a baixa altitude e treinar em altitude (VB+TA).
Destes, o modelo original, o mais implementado e aquele que nos é mais familiar é o modelo VA+TA. Este modelo é aplicado nos tão famosos estágios em altitude, onde os ciclistas ascendem a altitudes moderadas (1800-2500 metros), para treinarem e pernoitarem, maximizando a exposição a este ambiente hipóxico. Algumas evidências apontam que a duração ideal deste tipo de estágios deve rondar as 3-4 semanas, considerando sempre que, geralmente, os atletas necessitam de uma semana de adaptação a este ambiente. A intensidade e a distribuição do treino também deve ser adaptada durante este período, uma vez que existe menos oxigénio disponível, e um mau planeamento do mesmo pode prejudicar a performance do ciclista, causando fadiga excessiva, doenças ou mesmo lesões.


No entanto, a impossibilidade de treinar ao mesmo nível de intensidade que ao nível do mar deu origem a um novo modelo de treino, de forma a contornar esta potencial limitação: o modelo VA+TB. A premissa subjacente a este modelo baseia-se no facto dos atletas poderem simultaneamente obter os benefícios da aclimatização a um ambiente hipóxico enquanto mantêm os níveis de intensidade elevados durante os seus treinos.
Naturalmente, torna-se difícil encontrar o cenário ideal para aplicar este modelo, que requer que locais a baixa e elevada altitude estejam próximos entre si. No entanto, o avanço da tecnologia conduziu a uma revolução nesta área do treino, e permitiu trazer “a montanha ao ciclista”, com o desenvolvimento de mecanismos que mimetizam as condições experienciadas em altitude. Assim, este modelo pode ser aplicado com recurso a habitações que simulam um ambiente hipóxico. Um dos métodos consiste na utilização de um sistema de ventilação que absorve ar atmosférico e adiciona gás azoto, diluindo a concentração de oxigénio nessa habitação. Outro baseia-se na filtragem do oxigénio do ar atmosférico por um aparelho de hipóxia. Estes aparelhos bombeiam este ar pobre em oxigénio para o interior de uma habitação ou de uma tenda (conhecida como tenda de hipóxia), alcançando o efeito desejado. Um exemplo paradigmático do uso do modelo VA+TB, e que gerou bastante interesse junto da comunidade velocipédica, foi o de Victor Campenaerts, Florian Vermeersch e Brent Van Moer, todos ciclistas da Lotto-Soudal. Devido à pandemia da Covid-19, e para evitar riscos desnecessários, o trio belga trocou um estágio em altitude no Ruanda por um estágio a… 83 metros de altitude, em Alicante. O pormenor que faz toda a diferença é que os ciclistas ficaram hospedados no hotel Syncrosfera, pensado e gerido pelo antigo ciclista Alexandr Kolobnev, que passou por equipas como a Rabobank, CSC e Katusha. Neste alojamento, um simples clique permite simular uma altitude de até 4500 m, adaptável consoante as necessidades dos ciclistas. Mas estes não foram os únicos atletas ligados ao mundo do ciclismo a pernoitar neste hotel, já que a UAE Team Emirates, a Alpecin-Fenix e a Groupama-FDJ também já usufruíram do Syncrosfera.

Finalmente, o método VB+TA, talvez o menos comum e menos conhecido para o comum adepto, é aquele onde atletas vivem ao nível do mar, num ambiente pleno de oxigénio, mas são expostos a hipóxia por curtos períodos de tempo (5 a 180 minutos), quer durante períodos de descanso, quer durante sessões de treino. Para esse efeito, os atletas recorrem a aparelhos de ventilação portáteis que utilizam a mesma tecnologia de diluição de azoto e filtragem de oxigénio.

Adaptado de Cheung, Stephen S.; Zabala, Mikel, 2017, Cycling Science (Human Kinetics).