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PCMScience #1 – Treino em altitude: como e porquê?

Adaptações não-hematológicas após altitude: economia, músculos e lactato

No entanto, não é só a nível hematológico que se observam alterações promovidas pela exposição à hipóxia. De facto, vários estudos têm reportado uma melhoria na economia do exercício em atletas submetidos a períodos de treino em altitude. Trocado por miúdos, a economia do exercício traduz-se na quantidade de oxigénio, e consequentemente de energia, necessária para um indivíduo se mover a uma determinada velocidade, ou a uma determinada potência. E o que se observa, após aclimatização em altitude e posterior retorno ao nível do mar, é que estes atletas consomem um menor volume de oxigénio durante esforço físico submáximo, quando comparado com o volume consumido antes do treino em altitude, para a mesma intensidade de exercício. Ou seja, uma melhor economia do exercício.
Entre os vários mecanismos com potencial contributo para este fenómeno, destaca-se a capacidade aumentada de produção de energia através do uso do oxigénio (usando um exemplo simplista e recorrendo a números fictícios, após um treino em altitude, uma molécula de oxigénio consumida por um atleta teria a capacidade de produzir o dobro da energia que produziria sem este treino específico).
Também se pode observar uma diminuição da quantidade de energia necessária no processo de contração muscular (ou seja, para a mesma intensidade de esforço físico, a quantidade de energia consumida pelo músculo seria menor após o treino em altitude). E é aqui que as mitocôndrias, referidas anteriormente, parecem desempenhar um papel relevante. Pensa-se que, a nível celular, e neste contexto hipóxico, o metabolismo energético que ocorre nestas “casas das máquinas” torna-se mais eficaz.

Outro mecanismo bastante interessante prende-se com a capacidade que o músculo adquire na neutralização do lactato (ou ácido lático) produzido durante o exercício. Quase todos nós já ouvimos falar da ligação entre o lactato e as dores musculares durante o esforço físico. Mas qual é, efetivamente, o processo bioquímico subjacente a esta sensação dolorosa? Antes de mais, convém esclarecer que o lactato é responsável por aquela sensação de ardor (vulgo “queimar”) nos músculos que surge durante um esforço físico extremo e não pela sensação de músculos doridos que sentimos nos dias seguintes. Mas porquê só em situações de exercício intenso? Ora, como já vimos anteriormente, o oxigénio é a fonte preferencial para produção de energia usada pelas nossas células. No entanto, em esforços intensos, os nossos músculos necessitam de energia de forma mais rápida do que aquela que o oxigénio consegue fornecer. As células passam assim a gerar energia de forma anaeróbia, ou seja, sem uso de oxigénio, e com recurso ao metabolismo de hidratos de carbono armazenados no nosso organismo, como o glicogénio. Um dos produtos do metabolismo anaeróbio é o lactato, que, no contexto de esforço físico, passa a acumular-se nos músculos. Sendo um ácido, o incremento dos níveis de lactato leva a uma maior acidificação das células musculares, e, consequentemente, as dores que todos nós já sentimos. Após uma diminuição da intensidade do exercício, e num período de recuperação, quando o metabolismo aeróbio volta a ser usado preferencialmente, o organismo procede à eliminação do lactato acumulado.
Torna-se assim fácil perceber o benefício que o treino em altitude tem na capacidade neutralizante do lactato, ou seja, no processo de recuperação. E é por isso também que o lactato é um dos indicadores mais importantes no ciclismo, nomeadamente durante o treino em altitude, pois a sua medição ajuda a perceber de que forma a capacidade aeróbia do ciclista está a evoluir em altitude.

Em suma, é a combinação entre todas estas adaptações, hematológicas e não-hematológicas, que podem ajudar a melhorar o desempenho dos ciclistas quando regressam ao nível do mar após um período de treino e aclimatização em altitude. E é por isso parte essencial do treino de quase todas as equipas profissionais.