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PCM Entrevista: Hilário Coelho, mecânico da Jumbo-Visma

As origens e a ligação a Rui Costa

Como começou o teu interesse pelo ciclismo?

Eu sempre gostei de ciclismo e sempre gostei de desporto. Eu próprio pratiquei ciclismo, mas não tive uma carreira longa; depois de uma queda dramática na ilha da Madeira, que sabemos que não é terreno plano, decidi abandonar o ciclismo. Eu tinha 14/15 anos e isso foi motivo de pensar ‘não, não, isto é para loucos’, é mesmo para quem queira viver a aventura e o extremo. Mas continuo sempre com uma paixãozinha.

Como o destino fez questão de lembrar recentemente, as ‘loucuras’ do ciclismo nem sempre são tidas em conta até que o pior acontece. Foi assim com Hilário Coelho, que sofreu uma queda aparatosa nas estradas íngremes da Madeira que o fez refletir sobre o seu papel no ciclismo, deixando essas ‘loucuras’ para outras pessoas. Contudo, a paixão permaneceu inalterada e a sua história com a bicicleta estava longe de estar terminada.

Como te tornaste mecânico de ciclismo?

Obviamente eu continuei [no ciclismo]. Emigrei para Inglaterra e trabalhei numa loja de venda e reparação de bicicletas, e pouco a pouco fui ganhando o gosto [pela mecânica]. Depois voltei à ilha, quando o Rui Costa me convidou. Era eu que fazia o serviço das bicicletas do Rui quando ele vinha à Madeira, ele trazia a bicicleta de casa e perguntava ‘olha Hilário, podes ajudar aqui a trocar a cassete?’. Um dia, ele disse-me ‘se houvesse oportunidade de te juntares a uma equipa de ciclismo, estarias interessado?’ É a pergunta para quem sempre sonha fazer parte de uma grande equipa. E eu comecei na Lampre-Merida.

Porque é que Rui Costa visitava a Madeira frequentemente? Provavelmente para estar com a sua companheira da altura e de sempre: Carla Costa, irmã de Hilário Coelho, com quem tivémos a oportunidade de conversar na última Volta ao Algarve. Terá sido o ciclista português, que em 2013 se tornou campeão do mundo, a descobrir o talento de Hilário para cuidar da bicicleta e quando a sua própria oportunidade se apresentou, na forma de mudança para a Lampre – Merida, partilhou com ele essa oportunidade, através de um convite para o acompanhar na equipa.

Então foi através do Rui Costa que chegaste ao World Tour?

Foi, sim senhor. Foi o Rui que me convidou, disse que eu tinha jeito e pinta para fazer de mecânico no World Tour e o trabalho agradava-me, eu sinto paixão quando toco na bicicleta. Então ele perguntou-me e eu disse ‘vou experimentar um ano só’. Já passaram 11 anos e ainda cá estou (risos)!

Mais de uma década depois da experiência de um ano, Hilário Coelho continua a ocupar-se das bicicletas dos melhores ciclistas do mundo e também Rui Costa continua a encher os portugueses de orgulho, com os seus resultados na estrada. Dentro da mesma estrutura, ambos foram não apenas colegas de trabalho, mas também familiares, o que colocou alguns desafios.

Hilário Coelho na Lampre – Merida, 2014/16.
Fonte: Arquivo pessoal

Como foi trabalhar com um ‘familiar’ numa equipa World Tour?

Embora o Rui fosse meu cunhado, nós temos aquela regra que família é família, mas respeito sempre o ciclista. Seja o Rui Costa, que era campeão do mundo na altura, ou outro corredor menos grandíssimo que ele, presto atenção à bicicleta exatamente da mesma maneira. Mas se nós tínhamos, por exemplo, um perfil de rodas para dar a um corredor de uma classe mais baixa que o Rui ou ao Rui, nós dávamos preferência ao Rui e não era por ser meu cunhado, se fosse outro mecânico faria o mesmo.

Então, caso fosse preciso escolher, o Rui Costa tinha o melhor equipamento por ser líder da equipa?

Sim senhor, porque sendo líder tem sempre prioridade. Durante as grandes voltas, ou mesmo numa Volta ao Algarve ou ao País Basco, todos os líderes têm três bicicletas: a primeira, que é a que corre, a primeira de reserva e a segunda de reserva […]. Todas as bicicletas do líder são exatamente iguais à primeira bicicleta (muitos até têm quatro bicicletas, para clássicas e grandes voltas) e os outros têm apenas as medidas da segunda bicicleta iguais à primeira, mas nos perfis de rodas há diferença.

Partindo da sua área de especialidade, Hilário Coelho começa a explicar-nos as dinâmicas de liderança dentro de uma equipa de ciclismo, com os líderes a terem as suas próprias bicicletas até para os ‘azares’. Mas esta breve explicação é apenas o princípio do que ele tem para nos ensinar…

Hilário Coelho com Rui Costa pela UAE Team Emirates, 2020.
Fonte: BettiniPhoto