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“Queremos construir outras boas memórias” – José Poeira, selecionador de Portugal, antevê Paris 2024

O selecionador de Portugal, José Poeira, antevê os Jogos Olímpios de Paris 2024 para Rui Costa e Nelson Oliveira

José Poeira é natural de Odemira e está no ciclismo desde 1977, sempre com simplicidade e humildade. Foi corredor ao longo da década de 1980, mas atualmente é mais conhecido por ser o selecionador de Portugal na estrada. Desde que ingressou nos quadros da Federação Portuguesa de Ciclismo, orientou ciclistas portugueses em mais de uma vintena de Campeonatos do Mundo e continuará a fazê-lo nos seus quintos Jogos Olímpicos, atualmente a decorrer em Paris. Notavelmente, foi obreiro da medalha de prata de Sérgio Paulinho em Atenas 2004.

Foi com grande abertura e cordialidade que o selecionador nacional, quando já estava instalado na Aldeia Olímpica, aceitou o nosso pedido de entrevista, para antever aquilo que os seus ciclistas – Rui Costa e Nelson Oliveira – podem fazer nas provas de estrada dos Jogos Olímpicos Paris 2024.

Nota: Por motivos de agenda, a entrevista realizou-se dias antes da prova de contrarrelógio, que Nelson Oliveira terminaria no 7º lugar, conseguindo o primeiro diploma olímpico para Portugal nestes Jogos Olímpicos.

Oliveira e Costa (com Daniela Campos) em Paris 2024.
Foto: Facebook Rui Costa

Portuguese Cycling Magazine – Nestes Jogos Olímpicos, quais as perspectivas para o Rui Costa e para o Nelson Oliveira?

José Poeira – Ambos os atletas vêm do Tour, no qual tinham outros objetivos, mas também já estavam um pouco a pensar nos Jogos. O Nelson costuma fazer um bom tempo no contrarrelógio, o Rui não costuma ser tão forte, mas também vai fazer a prova. Já na prova de fundo, o percurso é semelhante a uma clássica, não é montanhoso, se o fosse teria de ser pensado de outra maneira. Mas neste tipo de percurso, o Rui, com a experiência que tem, a visão de corrida, a colocação, se tiver em dia sim, e penso que vai estar pela preparação que fez, pode alcançar um bom lugar.

O facto dos atletas virem diretamente do Tour, com pouco tempo de recuperação, é uma vantagem ou uma desvantagem? Há tempo para algum treino específico ou o foco é apenas recuperar da fadiga acumulada?

Agora é mais recuperar porque o resto está tudo feito, têm os quilómetros, têm a resistência, têm tudo. E quem vem por vezes de um Tour vem com outro andamento, outra rodagem do que se estivessem a treinar por fora, num período onde não há outras grandes corridas. Para uma prova de 270 quilómetros, de muitas horas, o Tour é uma preparação boa. E depois do dia 21 de julho até 3 de agosto, têm tempo para recuperar desse esforço.

Na sua opinião, qual a seleção mais perigosa, ou aquela que vão ter de prestar mais atenção no dia 3?

Esta é uma corrida perigosa porque é uma corrida aberta. Há cinco países com quatro atletas, cinco com três, e cinco com dois, no qual está Portugal, que é 13º do ranking. Portanto não penso que alguma equipa planeie controlar desde o início, o que torna a corrida muito imprevisível. E estão presentes muitos corredores de clássicas. As surpresas podem acontecer antes até da entrada em Paris, por isso ninguém vai tentar controlar a corrida desde o início. Nunca se sabe exatamente o que pode acontecer, ou quando.

Costa no contrarrelógio de Paris 2024.
Foto: AFP

Como se faz a gestão de uma prova de 272 km com apenas dois ciclistas na equipa?

Tem de se estar sempre com muita atenção, pode-se dar uma fuga em qualquer parte da prova e depois não haver força e união cá atrás para perseguir. Essa atenção implica estar sempre no sítio certo, e avaliar sempre quem está a saltar do pelotão. Não é muito fácil, pelo contrário, numa prova destas de muitas horas manter essa atenção e colocação implica um gasto muito grande. Como reduziram o tamanho das equipas, a corrida fica mais aberta, por isso também é preciso um bocado de sorte. Aqui o trabalho do Nelson é o de tapar alguns espaços que se possam criar com grupos que interessem e também um trabalho a nível de colocação, como fez em Tóquio com o João [Almeida] onde o colocou bem posicionado à entrada da última subida e isso foi uma mais-valia que permitiu ao João lutar por um lugar mais elevado no final. Essa experiência faz falta e é por isso também que ele faz um bom trabalho.

Quais os pontos chave do percurso da prova de fundo, e o que vai pedir ao Rui e ao Nelson para terem em especial atenção?

A prova tem muitos pontos perigosos nos quais é preciso prestar atenção e manter uma boa colocação. Tem muitas rotundas, viragens constantes, e depois passa de uma estrada normal para uma no meio da floresta em que só cabem dois corredores. Uma situação dessas, por exemplo, pode-se tornar numa armadilha e a corrida partir aí porque não dá para as equipas se organizarem. E temos três fases dessas, mais ou menos de 5 km. Depois temos a aproximação a Paris e a subida. São duas passagens com duas com um perímetro de 18 km. Tem a subida de 1 km a 6% em paralelo e com uma descida perigosa. E daí do alto, na passagem final, são 10 km para a chegada.

O que é que se pode dizer a um atleta como o Rui Costa, com muitos anos de experiência, para o ajudar a lidar com adversários como Mathieu Van Der Poel, Wout Van Aert, Remco Evenepoel, entre outros que vão participar?

Há sempre alguma coisa a dizer e há sempre alguma coisa a ouvir. E para além da capacidade que eles têm de inteligência tática, de leitura, de posicionamento, da própria forma física, têm os dois [Rui Costa e Nelson Oliveira] uma grande capacidade para ouvir e aprender ou perceber este ou aquele aspeto que lhes é transmitido, e depois de o levar com eles para a prova e de o aplicar. É também algo que já decorre das muitas provas feitas em conjunto, e há sempre algum pormenor a explorar ou momentos chave da corrida em que se diz algo a cada atleta. Eles são grandes profissionais, com amor à camisola que vestem e tudo isso contribui. Estes são provavelmente os últimos Jogos deles, mas também já deram a Portugal muito bons resultados e souberam honrar o país. Estamos a falar do Rui e do Nelson, mas não apenas eles.

Atualmente, é mais difícil gerir os objetivos da seleção com os objetivos individuais de cada atleta e de cada equipa profissional com a qual eles têm contrato?

Depende das equipas e também depende muito do atleta em si. São coisas que se constroem, que é o espírito da seleção e do país. Mas não temos tido problemas nesse aspeto. Não é significativo. O ciclismo de agora tem mais interesses envolvidos, mais variáveis, mas não temos tido problemas quanto a isso. Aqui o difícil e chato é termos vários corredores com muita qualidade e só podermos selecionar dois. Neste tipo de percurso, por exemplo, o Morgado, que apesar de ser jovem, já demonstrou que pode fazer bons resultados. São decisões muito difíceis e é muito complicado.

Oliveira no contrarrelógio de Paris 2024.
Foto: IMAGO

O percurso plano de contrarrelógio, com 33 km, beneficia as características do Nelson ou ele prefere distâncias mais longas? [Nelson Oliveira terminaria o contrarrelógio no 7º lugar]

Ele rende mais com distâncias mais longas, a partir dos 40/50 km. No Rio eram 54 km com umas subidas mais duras. E estivemos fora dos 10 melhores durante muito tempo. Na parte final, nos últimos 12 km, ele fez dos melhores tempos, melhor que o Cancelara inclusive. Perguntei ao Nelson como é que ele tinha encontrado aquela força extra no final da prova e ele respondeu que tinha andado igual, os outros é que já estavam a dar menos. A prova aqui tem 33 km e é essa a prova que ele tem de fazer. Mas para mim isto é uma das coisas que não gosto, uma prova de fundo muito longa com apenas 90 corredores, e um contrarrelógio muito curto. Mesmo atletas que não são especialistas, através de um bom aquecimento, conseguem fazer essas distâncias a um ritmo muito alto. Mas é o passar do tempo, num contrarrelógio, que faz a diferença entre os melhores, aqueles que sabem gerir o tempo e o esforço. A partir de certa quilometragem é que o verdadeiro contrarrelogista vem ao de cima.

Com tanta competição de qualidade em ambas as provas, os portugueses podem sonhar com dois top-10?

Sim, sonhamos sempre e é possível ficar no top-10, o mais à frente possível. O ano passado, por exemplo, nos Campeonatos do Mundo, o Nelson fez 6º, e nos Campeonatos da Europa também, e aí eram só 28 km.

Para concluir, qual é a sua memória preferida dos Jogos Olímpicos?

Tivemos muitas situações boas, em Atenas e no Rio de Janeiro. Mas são momentos de grande sacrifício, porque nos Jogos temos muitas limitações de staff. Nos Campeonatos do Mundo nós controlamos tudo, levamos o material e o staff que queremos. Aqui não, temos quotas e não podemos sair desses limites. Espero é que possamos acrescentar a essas boas recordações mais umas aqui em Paris. É sempre bom estar na Aldeia Olímpica, mas queremos construir outras boas memórias.

Agradecemos a José Poeira a disponibilidade para nos conceder esta entrevista e desejamos boa sorte a todos os atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Paris 2024!

Foto de capa: UVP-FPC

1 comment

pinheiro jolrge says:

boa escolha de reformados para os jogos olimpicos finalmente era para férias em paris e os jovens aonde estao
60 naçoes Portugal em ultimo vergonhoso

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