Sérgio Paulinho recorda a medalha de prata em Atenas 2004 e antevê Paris 2024 para os ciclistas portugueses
Sérgio Paulinho é um dos grandes nomes do ciclismo português, e aquele que esteve mais próximo do Olimpo competitivo: quando ainda corria em Portugal, conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004. Esse feito histórico, que lhe ficará para sempre na memória, permitiu-lhe a ida para o ciclismo internacional, onde cumpriu uma longa e admirável carreira, até que regressou a Portugal para terminá-la em 2021. Na atualidade, organiza passeios de bicicleta pelo mundo, o que lhe faz sentir o ciclismo “bastante melhor”.
Sérgio Paulinho é esforço, lealdade e inteligência. Concretizou esses seus atributos em importantes conquistas, como aquela que recordamos nesta entrevista, 20 anos depois e novamente em ano olímpico. De resto, juntamo-nos a ele também para antever aquilo que os ciclistas portugueses podem fazer em Paris 2024, relembrando-os de que o sonho é tão luminoso quanto a glória é infinita.
Portuguese Cycling Magazine – Quando chegaste aos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, tinhas 24 anos e corrias em Portugal, na equipa LA Pecol. Como foi o teu percurso no ciclismo até esses Jogos?
Sérgio Paulinho – Em 2004, era o meu segundo ano de profissional. Tinha feito o meu primeiro ano de profissional na altura na ASC – Vila do Conde, depois mudei para a LA Pecol. Ganhei algumas corridas antes dos Jogos, ganhei duas etapas na Volta a Portugal, e até aos Jogos tive uma carreira em Portugal bastante boa.
Consta que, no plano original, não eras para correr a prova de estrada…
Não. Eu estava como suplente, ia aos Jogos só para fazer o contrarrelógio, mas à última da hora o José Azevedo decidiu não participar, porque tinha acabado a Volta à França e estava bastante cansado, não se sentia em condições. Então como eu era o primeiro suplente, entrei para o lugar do Zé.
Já em Atenas, como prepararam as corridas?
Nós tínhamos acabado a Volta a Portugal cinco dias antes do início dos Jogos. Acabei a Volta a Portugal, estive um ou dois dias em casa e depois partimos logo para os Jogos. A preparação lá nos Jogos foi normal e mais de recuperação, por causa da Volta a Portugal, em que fazíamos duas a três horas de bicicleta tranquilos, até à prova. Passados dois dias da prova de estrada foi o contrarrelógio, e foi treinar durante esses dois dias para recuperação, mais nada.
No dia da prova, o momento decisivo dá-se com o ataque do Paolo Bettini, que tu seguiste. Alguns ciclistas talvez se resguardassem mais, mas tu colaboraste sempre com ele. Porquê colaborar?
A minha intenção foi sempre colaborar com o Bettini. Sabia que em grupo compacto nunca teria feito uma medalha, e também sabia que bater o Bettini não era impossível, mas era uma missão quase impossível, porque naquela altura ele era o melhor ciclista do mundo a nível de corridas de um dia. O meu intuito foi sempre colaborar com ele, e se não conseguisse ganhar, o 2º lugar era garantido. Soube como se fosse ouro, porque nem ninguém nem eu estava à espera de uma medalha.
Passam os quilómetros e o duo mantém uma boa vantagem. Quais foram os teus pensamentos? Falaste com o Bettini em algum ponto?
Que eu me recordo, não falámos muito. Naquela altura, quando estávamos os dois sozinhos, o meu objetivo era que houvesse uma colaboração pelo menos até aos últimos quilómetros, para depois podermos discutir [a vitória] entre nós e quem fosse mais forte vencer. Colaborámos sempre, nunca ninguém deixou de colaborar.
Último quilómetro, sprint contra o melhor ciclista de clássicas naquela altura. Tinhas alguma estratégia para derrota-lo?
Pensei sempre em estar na roda dele nos últimos metros, para tentar surpreendê-lo. Foi aquilo que eu fiz, mas sabia que mesmo assim iria ser difícil, e acabou por ser o Bettini a ganhar.
Quando é que tomaste consciência da medalha?
Tomei consciência quando vi o selecionador, o José Poeira, a vir direito a mim a chorar. Depois disso, todo aquele processo do pódio, conferências de imprensa, foi quando comecei a aperceber-me daquilo que tinha acabado de acontecer.
Passados 20 anos, qual é a tua memória favorita de Atenas 2004?
O momento no pódio é aquele que fica na memória, ver a bandeira a subir e receber a medalha.
Depois dos Jogos Olímpicos, tiveste uma grande carreira internacional, sobretudo como homem de trabalho, mas também vencendo etapas no Tour e na Vuelta. Como é que conciliavas as duas tarefas?
Conciliava bem. A minha missão na equipa era trabalhar para o líder. Sempre que o líder, nalguma eventualidade, não estivesse bem e a equipa nos desse carta branca para tentar ganhar etapas, todos nós fazemos o melhor possível. Alguma vezes consegui eu fazê-lo bem, outras vezes foram outros colegas meus a fazê-lo bem. O principal era sempre a equipa e aceitávamos bastante bem esse trabalho.
Atualmente organizas passeios de bicicleta. Como se compara a tua vida atual com a tua vida passada de ciclista profissional?
Agora é bastante melhor (riso). São passeios de bicicleta, fazemos viagens pelo mundo inteiro, e tento desfrutar ao máximo de algumas paisagens onde eu passei a correr e não conseguia vê-las, e também desfrutar desses momentos com os nossos clientes.
Sentes que, um pouco como o Rui Costa, tiveste um papel em inspirar a nova geração de ciclistas portugueses?
Sim. Não sou muito mais velho do que o Rui. Acho que tanto eu como ele, nos nossos tempos, em tudo aquilo que fizemos pelo ciclismo português, incentivámos bastante gente a entrar no ciclismo e a tentar desenvolvê-lo além-fronteiras.
Falando no Rui Costa, ele e o Nelson Oliveira serão os representantes portugueses no ciclismo de estrada dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Como vês as hipóteses deles?
Ainda não vi o percurso, mas por aquilo que já me pude informar, não é completamente plano, mas é quase. Para a qualidade da corrida e dos ciclistas portugueses… se fosse uma corrida bastante mais dura, aí sim podíamos ter mais hipóteses, mas numa corrida quase plana e que poderá ser discutida ao sprint, vejo as hipóteses na prova de estrada um pouco mais reduzidas.
Muitos acreditam que as melhores hipóteses de Portugal até estão na pista, com o Iúri Leitão e o Rui Oliveira. Tendo o Iúri sido campeão mundial, acreditas que a tua medalha olímpica poderá ter companhia?
Deus queira que sim. Era bom para o ciclismo português e para Portugal podermos trazer mais uma medalha, por isso acho que, das vertentes de ciclismo, na pista é onde podemos ter mais hipóteses de ter um excelente resultado, com o Iúri ou com o Rui.
O ciclismo português nos Jogos Olímpicos está também representado pela Tata Martins, Daniela Campos e Raquel Queirós. Como vês as hipóteses delas?
Acho que também temos algumas possibilidades de bom resultado, especialmente com a Tata, que na pista demonstrou nos últimos anos que é uma das melhores atletas. Por isso, também podemos ter uma surpresa na pista a nível feminino.
Por último, algum conselho ou mensagem de apoio que queiras deixar aos atletas nacionais?
Não tenho nenhum conselho, porque eles já são atletas de alta gama. Tanto o Rui como o Nelson são ciclistas que já fizeram várias grandes voltas, ou seja, já sabem o que é a pressão. O que eu desejo é que eles façam o melhor possível por Portugal e que honrem a camisola até ao risco da meta.
Agradecemos a Sérgio Paulinho a disponibilidade para nos conceder esta entrevista e desejamos boa sorte a todos os atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Paris 2024!
Foto de capa: UVP-FPC