Os melhores ciclistas do mundo vivem no Mónaco. Fomos conhecer este lugar de ciclismo através das experiências de Gonçalo Carvalho e Daniel Dias na equipa local.
O ciclista é um nómada. Anda de bicicleta para todo o lado e experimenta o conforto do selim mais do que o conforto da sua casa. Ser ciclista profissional na atualidade é correr os quatro cantos do mundo, da Califórnia ao Down Under, do Ártico ao Cabo sul-africano.
Mas não é por a atividade ser itinerante que não nos pode levar para lugares comuns. E nenhum lugar é tão comum aos melhores do mundo como o Mónaco. Neste pequeno retângulo junto ao Mar Mediterrâneo, ocupado por apartamentos de luxo e ruas impecáveis, eles encontram um nível de vida elevado e boas condições de treino, beneficiando de isenções fiscais substanciais.
A lista de residentes notáveis do Mónaco inclui Tadej Pogačar, Primož Roglič, Chris Froome, Peter Sagan, Nairo Quintana ou Matteo Trentin. O italiano destaca-se como um dos mais solidários: defende acerrimamente a segurança rodoviária dos ciclistas e todos os anos, organiza uma volta de caridade no porto monegasco, que recentemente foi ganha – como muitas voltas este ano – por Tadej Pogačar.
Como é a vida de um ciclista no Mónaco? Há vidas diferentes, que variam entre o pacato e o extravagante. Se Pogačar e a companheira Urška Žigart gostam de treinar, comer boa comida e estar com amigos, Sagan é mais do tipo aventureiro, capaz de pedalar sobre a água!
![](https://portuguesecyclingmagazine.com/wp-content/uploads/2024/12/PogacarSaganMonaco-1024x576.webp)
Fotos: Sigma Sports & Fondation Princess Charlene
São estas vidas que contribuem para a forte tradição desportiva do Mónaco, da Fórmula 1 ao futebol, do ténis aos desportos náuticos. De vez em quando surgem atletas monegascos, caso de Victor Langelotti, que venceu uma etapa na Volta a Portugal em 2023 e vai correr na INEOS Grenadiers em 2025. Só que os monegascos são uma minoria no seu próprio país; 80% dos residentes têm outras nacionalidades.
O misto cultural do Mónaco chega a envolver portugueses – ainda que seja outro microestado, Andorra, a ter uma relação mais próxima com o ciclismo nacional. Assim, conversámos com Gonçalo Carvalho (Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua) e Daniel Dias (Credibom/LA Alumínios/Marcos Car), que correram na Union Cycliste de Monaco, para descobrir mais sobre as vidas dos ciclistas no Mónaco.
“Tive de fazer tudo sozinho, todas as lides da casa.” – Daniel Dias
Portugueses pelo Principado
O que torna o Mónaco um sítio tão atrativo para os ciclistas profissionais? A resposta é unânime entre Gonçalo e Daniel, remetendo de imediato para a “questão fiscal”. O bom tempo surge logo de seguida. “Estive lá desde janeiro até maio e apanhei dois dias de chuva”, aponta Daniel. Depois, as oportunidades de treino proporcionadas pela geografia. “Há muitas subidas boas: numa hora estás no nível do mar, noutra hora estás a dois mil metros de altitude”, enaltece Gonçalo.
Gonçalo Carvalho foi o primeiro português na equipa do Mónaco. O ciclista da Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua chegou à equipa “através do Matxin” e da sua ligação com Henrique Queiroz, diretor desportivo da Bairrada, formação que tem lançado muitos jovens ciclistas, notoriamente António Morgado, para o estrelato mundial.
Passados dois anos, já Gonçalo tinha regressado a Portugal, foi a vez de Daniel Dias rumar à equipa. “O contacto foi sempre da parte deles. Depois falei com o meu agente e achámos que seria uma boa opção, porque tinham um calendário internacional”, conta o ciclista da Rádio Popular-Paredes-Boavista.
Os ciclistas ficaram alojados numa residência em Villefranche-sur-Mer, em França, atendendo a que o imobiliário do Mónaco é dos mais caros do mundo. Como ainda eram bastante jovens, a adaptação foi o maior desafio. “Tive que me adaptar, desenvolver-me noutras vertentes, como alimentação, porque não tínhamos ninguém”, lembra Gonçalo Carvalho, que hoje reconhece que esses desafios lhe permitiram crescer como pessoa.
Daniel Dias também teve de “fazer tudo sozinho, todas as lides da casa” e se a família que trabalha no Mónaco, principalmente o pai, ainda deu uma ajuda importante, a pandemia limitou os contactos presenciais. Em contrapartida, no plano financeiro, nunca teve grandes preocupações: “A equipa pagava-nos todas as despesas de alimentação, comprávamos tudo o que queríamos”.
![](https://portuguesecyclingmagazine.com/wp-content/uploads/2024/12/CarvalhoDias-1024x576.webp)
Foto: Facebook dos atletas
“Gostei muito de falar com o Michael Matthews.” – Gonçalo Carvalho
Respirar ciclismo
O Mónaco “respira ciclismo”, e pela sua equipa passam apelidos como Sánchez, Roche ou Vinokourov. No caso de Daniel Dias, correu ao lado dos filhos do ex-ciclista cazaque e patrão da Astana. “Continuamos bastante amigos. Ainda no ano passado estive de férias no Mónaco e marcámos um café e um jantar. O pai deles é uma pessoa super humana.”
Um em cada três residentes do Mónaco é milionário, pelo que “o mais interessante” para Gonçalo Carvalho foi “ver aquela vida luxuosa, junto ao casino. Diariamente víamos carros de milhões a passarem como se fosse uma coisa normal”, recorda por entre um sorriso.
Mais do que o luxo, foi a oportunidade de contactar com os melhores do mundo que cativou os jovens ciclistas. “Ainda hoje mantenho amizades com atletas que estão no World Tour”, refere Daniel Dias, enquanto Gonçalo recorda um encontro com Michael Matthews. “Encontrei-o um dia numa pastelaria e ele foi cinco estrelas. Gostei muito de falar com ele. Ainda fiz um bocadinho do treino com ele e também me deixou tirar uma fotografia.”
Para fechar o capítulo de grandes ciclistas, Daniel aproveita para recordar o falecido Davide Rebellin, que encontrou por diversas vezes nas estradas do Mónaco.
![](https://portuguesecyclingmagazine.com/wp-content/uploads/2024/12/PogacarMonaco2-819x1024.webp)
Foto: Code Sport Monaco
“Todos os dias encontrava pessoas que me acrescentavam alguma coisa enquanto atleta.” – Daniel Dias
Experiência enriquecedora
De modo geral, o Mónaco foi uma “experiência enriquecedora” para os ciclistas portugueses. Contudo, ambos os ciclistas saíram do Mónaco após um ano ou até menos, no caso de Daniel Dias. “O diretor era uma pessoa muito agressiva, e foi o motivo pelo qual abandonei [a equipa] antes do final da época”, confessa, acrescentando que “também outros acabaram por abandonar a equipa, os próprios Vinokourov acabaram por sair pouco depois de mim.”
Na mesma linha, Gonçalo Carvalho recorda a “falta de acompanhamento na equipa, que era muito prematura”, bem como questões de “profissionalismo”, como lacunas nos abastecimentos, que condicionavam a performance dos atletas. Não obstante, admite ter gostado “do treinador e do ambiente.”
As situações menos boas fazem parte da experiência, e podem contribuir para a tornar enriquecedora. “Todos os dias encontrava pessoas que me acrescentavam alguma coisa enquanto atleta, e ajudaram-me a crescer muito enquanto pessoa”, conclui Daniel. Já aquilo que Gonçalo mais gostou foi de “poder correr a um grande nível em sub-23 e fazer grandes clássicas como a Lombardia.”
São estes os desafios e oportunidades do Mónaco, que o tornam tão atrativo para os melhores ciclistas do mundo, que procuram, no meio de uma atividade itinerante, um lugar para passarem as suas vidas. Agora, os ciclistas seguem para os primeiros campos de preparação da temporada de 2025, que está cada vez mais próxima!
Fotos de capa: ANSA / Sebastien Nogier