Na antecâmara do período das clássicas, a Portuguese Cycling Magazine esteve à conversa com Rui Oliveira, campeão olímpico de Madison. O ciclista português da UAE iniciou a sua temporada no passado domingo, com um 30º lugar na Kuurne-Bruxelas-Kuurne, após ter conquistado duas medalhas nos Europeus de Pista no início de fevereiro. Aqui fica a entrevista completa:
Portuguese Cycling Magazine: Boa tarde, Rui. Quais é que são os teus objetivos para esta temporada?
Rui Oliveira: Este ano passa por estar bem no período das clássicas. Tentar estar na discussão em algumas delas, pois são corridas que eu gosto. Depois desta [Kuurne-Bruxelas-Kuurne], vou ao Tirreno-Adriático, onde, obviamente, terei muito trabalho, porque estamos com uma equipa para ganhar o Tirreno e vou estar ali para os meus companheiros. Dali, saio com uma boa forma para depois afrontar as clássicas. Espero estar na clássica de Deinan em França. É uma corrida que sempre gostei de fazer e ver. Esse vai ser o meu primeiro objetivo e depois, claro que quero estar bem para as clássicas do World Tour. Passa pela Depan com o Molano, Gent, Flandres, em princípio, e, se calhar, Paris-Roubaix também. Aí temos vários líderes e irei estar também, este ano, na ajuda a eles.
PCM: E em relação às grandes voltas, tens alguma planeada para esta época?
RO: Não, esta época não está projetado ir a uma grande volta. Estarei mais em corridas de uma semana.
PCM: Com a presença em algumas clássicas belgas, estás a apontar também à Volta a Flandres, onde Pogacar será o líder da UAE. Acreditas que pode repetir-se o cenário da edição da 2023, em que ajudaste a preparar o ataque decisivo?
RO: Ainda vamos ver, porque temos oito ou nove atletas para fazer essa corrida e, obviamente, só vão sete. Muita coisa vai acontecer até lá e, dependendo da forma de cada um, é que se decide quem é que vai fazer essa corrida, mas estou confiante que vou estar na minha melhor forma até esse grande objetivo. Com o Tadej como líder, só temos um objetivo e vamos trabalhar a fundo. Claro que vai ser difícil repetir o que fizemos, obviamente, todos os ciclistas já vão estar a espera, se calhar, do ataque do Tadej na segunda passagem no Oude Kwaremont. Naquele ano, não estavam à espera e foi um bocado de surpresa, mas toda a gente vê as remontadas que o Tadej tem vindo a fazer, portanto já vão estar à espera e vão-nos tentar atacar de outra maneira. Temos de ir quilómetro a quilómetro e tentar levá-lo da melhor maneira para que, quando chegar a hora, tenha caminho livre para a vitória.
PCM: A temporada de clássicas iniciou-se no sábado com a Omloop Nieuwsblad, que terminou num sprint em pelotão numa clássica que normalmente é decidida por um ciclista isolado ou em pequenos grupos. Acreditas que isso pode ser uma tendência nesta temporada de clássicas?
RO: Todas as equipas começam a estar bastante fortes. Há poucas diferenças que se fazem agora entre os ciclistas, por isso, há tendência para vir a haver grupos mais massivos em corridas destas. Obviamente, a corrida cortou-se bastante, mas os corredores estão todos muito fortes e, depois com os interesses de cada um, as corridas vão se fazendo e tem estado a dar mais para o sprint. Hoje, foi uma dessas tendências. Isso não quer dizer que seja um dia fácil.
PCM: Tens alguma preferência entre as chegada em grupos maiores, como tem acontecido recentemente, ou em grupos mais pequenos?
RO: Para mim, funciona melhor sprintar em grupos mais pequenos até 20 corredores. É melhor, porque podes estar bem com boas pernas em grupos maiores, mas tens mais corredores a impedir o teu sprint ou pode acontecer situações que tu não esperas. Não controlas o sprint e, rapidamente, podes passar de um bom lugar para um mau lugar. Com menos corredores, consegues estar melhor posicionado e fazer um melhor resultado no final.
PCM: Acreditas que os teus resultados na pista durante o último ano te ajudaram a subir na hierarquia da UAE, dando-te mais oportunidades para disputar sprints e atacar nas clássicas?
RO: Sim, acho que subi um pouco no que a equipa tem vindo a ver de mim e a ter-me dado mais confiança nestes últimos tempos. Não só pelos Jogos Olímpicos, mas, depois disso, tive um bom ano. Sempre que fui chamado a ajudar, ajudei, e sempre que tive a minha oportunidade, tentei dar o meu melhor. Não foram muitas, mas tive a discuti-las. Este ano, a equipa deu-me mais liberdade em algumas corridas e, como não temos muitos sprinters na equipa, há corridas que poderei estar a liderar.
PCM: Desde que conquista essa grande vitória nos Jogos Olímpicos, sentes menos pressão para vencer?
RO: Saiu-me um peso de cima dos ombros, porque já estava à procura de uma grande vitória há muito tempo. Houve muitas vezes onde estive perto tanto em corridas de estrada como na pista e nunca tinha conseguido alcançar aquele feito grande. Tudo saiu perfeito no dia dos Jogos Olímpicos, onde mais interessava foi onde saiu tudo perfeito e ficou uma medalha para a vida, para a história do país. Isso liberta alguma pressão e agora tento correr com mais tranquilidade, sabendo que ainda há muitos objetivos para cumprir na estrada e é nisso que vou focar nesses próximos tempos.
PCM: Nos Jogos Olímpicos, tu e o Iúri Leitão tornaram-se, de uma só vez, em dois dos maiores atletas olímpicos de sempre de Portugal. Em Los Angeles 2028, ainda estarão em plena forma para tentar revalidar os vossos títulos e conquistar novas medalhas. Já estás a pensar nesses Jogos, que chegam dentro de três anos e meio?
RO: No ciclismo de hoje em dia, temos de pensar já um bocadinho à frente, porque a qualificação olímpica começa já daqui a 2 anos. Para isso, temos de estar bem qualificados no ranking para poder continuar a ir aos campeonatos do mundo e podermos qualificar-nos para as taças do mundo. Portanto, é um processo que começa cedo e, já por isso, estive presente nos campeonatos nacionais e nos campeonatos da Europa de Pista neste início da época para continuar esta caminhada que é longa. Temos de continuar a meter Portugal no ranking, porque só assim é que vamos continuar a poder discutir as corridas e qualificarmo-nos para os jogos. Não somos assim tantos atletas quanto isso, portanto temos que fazer um esforço extra para tentar ir a estas corridas e isso faz com que, às vezes, o calendário fique mais apertado.
PCM: Na pista, sabe-se que é preciso um grande investimento em infraestruturas e tecnologia extra que não há na estrada. Acreditas que a estrutura atual é suficiente para manter o sucesso ou é necessário um investimento muito maior?
RO: Claro que é difícil. Em Portugal, é difícil competir, por vezes, contra equipas como as nossas, que estão lá fora com outros orçamentos. Há muita qualidade e acredito que, com mais apoio, todos têm um nível em Portugal para chegar mais longe.
PCM: Nos Europeus de pista, Portugal teve mais uma prestação histórica. Na estrada, António Morgado venceu a Figueira Champions Classic e, na Volta ao Algarve, João Almeida só foi batido pelo Jonas Vingegaard. Qual é a tua visão sobre o momento atual do ciclismo português?
RO: Estamos a passar uma boa fase com diversos talentos aqui fora e alguns em Portugal. Isto só mostra que Portugal é uma nação com muito talento e tem vindo a crescer cada vez mais. Cada um com as oportunidades certas consegue mostrar que estamos aqui para lutar contra os melhores e não somos menos que ninguém importante. Tem sido muito bom ver o crescimento de todos os portugueses, tanto em Portugal como cá fora em todas as modalidades do ciclismo.
PCM: O António Morgado tem tido uma evolução notável desde que se tornou profissional há pouco mais de um ano. Na tua opinião, até onde pode chegar? Achas que podemos ter, pela primeira vez, um português a vencer um Monumento?
RO: O António é dos ciclistas mais promissores da atualidade. É das melhores pessoas que eu já apanhei no ciclismo com quem tenho muito orgulho de estar a compartilhar a equipa nestes dois anos que ele está aqui. Tem vindo a crescer muito. Ele pode chegar onde quiser, porque é dos ciclistas mais fortes do mundo nas clássicas. Já fiz a Volta a Flandres quatro vezes, por isso, sei bem a dificuldade que é simplesmente terminar a prova. Nunca consegui chegar no grupo da frente e o António terminou em quinto lugar na sua estreia sem estar sempre bem posicionado na frente do pelotão. Ou seja, ele fazia uma coisa ainda mais difícil que era remontar de trás para a frente em cada setor durante seis horas. Mesmo assim, conseguiu chegar na frente, mostrando que é um talento enorme. Espero estar com ele em alguma corridas para o poder ajudar, porque pode vir a ganhar muita coisa no futuro.
Agradecemos ao Rui Oliveira e à UAE Team Emirates-XRG por nos terem concedido esta entrevista.