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Amanhã é sempre longe demais: A história de Dinis Alves da Silva

Na longa história do ciclismo português, no qual os nomes maiores e mais reconhecidos são invariavelmente Joaquim Agostinho, Rui Costa, Orlando Rodrigues, José Azevedo, Acácio da Silva, e, mais recentemente João Almeida, o campeão olímpico Iúri Leitão, ou até o despontante António Morgado, muitos e mais outros acabam por cair no esquecimento com a passagem do tempo. Praticamente todos eles fizeram o seu percurso, conseguindo a glória, mas nem sempre a presença na memória coletiva de quem segue e vive (d)o desporto. 

Outros, porém, não tiveram a sua oportunidade. Lesões, azares em circunstâncias de corrida, ou até mesmo o próprio papel mais laborioso nas suas formações fez com que muitos não tivessem a possibilidade de mostrar o seu valor e talento. Menos raro, felizmente, é a morte que nos afasta do nosso caminho.  

Dinis da Silva foi um dos infelizes casos em que a morte foi o fator decisivo para que não se tornasse um dos nomes mais reconhecidos e gloriosos do ciclismo nacional. Vencedor da Torre em 1974 com 18 anos, acabaria por falecer há 50 anos, no dia 6 de março de 1975, ainda antes de chegar às duas décadas de vida. 

Nascido a 23 de outubro de 1955, em São João de Ver, Santa Maria da Feira, foi na equipa da Ambar que Dinis Silva se tornou o nome a seguir para o futuro do ciclismo português. Em 1973, com os seus ainda muito tenros 17 anos, representa Portugal numa prova no estado de São Paulo, Brasil, e acaba em segundo lugar, pondo o seu nome no mapa e despertando o interesse das grandes equipas portuguesas. Quem o conseguiu garantir acabou por ser a equipa do SL Benfica – Banco Fernandes Magalhães, que contactou diretamente com Dinis Silva para ser seu corredor para a temporada de 1974. Esta mudança foi polémica, sendo Dinis Silva suspenso devido à falta de acordo entre a Ambar e a equipa de ciclismo do Benfica, ficando a sua derradeira participação na prova rainha nacional em cheque. Os relatos e notícias da altura dizem-nos que apenas poucas horas antes do começo da Volta a Portugal o acordo dá-se e Dinis pode correr, sendo um elemento importante numa formação do Benfica fortíssima, como se veio a confirmar no pódio final composto somente por elementos da formação encarnada, complementada com mais 3 presenças no top-10 da 37ª edição da Volta. 

Em representação da Seleção Nacional em 1973, para participar na Volta ao Estado de São Paulo, no Brasil, onde viria a terminar no segundo lugar (retirado do facebook “História do Ciclismo em São João de Ver”)

A glória dá-se na 19ª etapa da Volta. Num dia duro, com chegada na Torre, Dinis Silva faz uma exibição de sonho e chega isolado, levantando os braços na meta, sendo que a meros 3 quilómetros se encontrava a 1 minuto de José Martins, na altura da equipa da Coelima. No final da etapa, Dinis Silva é entrevistado e a primeira pergunta até passa pela confirmação da idade dele (resumo da etapa aqui, do Arquivo RTP: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/19a-etapa-da-37a-volta-a-portugal-em-bicicleta/). Foi, e continua até hoje, a ser o mais jovem vencedor da Torre. 

Durante as etapas que restam, Fernando Mendes, que no ano anterior faria segundo depois da suspensão de Joaquim Agostinho, acaba por superiorizar-se à competição e vence a camisola amarela, alavancado por um contrarrelógio final muito forte, por meros 17 segundos de vantagem ao herói da história de hoje. Há quem defenda que a Dinis Silva não foi permitido ganhar a Volta de 1974 devido a motivos de hierarquia. Fernando Mendes era o líder da equipa do Benfica e precisava de um momento de consagração, sendo que Dinis teria os anos seguintes para as suas vitórias. 

Recorte do jornal “O Benfica” sobre a Volta de 1974, com Dinis Silva em grande destaque (retirado do Facebook “Museu Benfica – Cosme Damião”)

Esses anos seguintes repletos de vitória acabaram por não acontecer. Pouco depois da viragem para o ano de 1975 é internado em Lisboa. De acordo com Alberto Miguéns, teria tido leucemia em fase terminal, o que não permitiu qualquer sobrevivência à grande promessa do ciclismo português. No dia 6 de março de há 50 anos, acaba por falecer, com apenas 19 anos.  

Dinis Alves da Silva de um dia para o outro passou de ser a maior promessa (já certeza) do ciclismo nacional (arriscando eu dizer a maior de sempre) para um nome que acabou esquecido, como tantos outros, pela passagem do tempo.  

Nunca iremos saber como seria a carreira de Dinis Silva, e conjeturar acaba por ser um esforço inglório. Dinis Silva apareceu rápido, brilhou forte e desvaneceu como a estrela cadente que foi. Quem viu e ouviu lembra e recorda, quem não teve possibilidade de observar, acabou por ignorar ou nem sequer ter conhecimento do acontecimento. Procurar sobre Dinis Silva é encontrar, no máximo, uma página de Google sobre informações, ou curiosidades, da sua vida. Uma vida curta, que atingiu o ponto alto, de forma simbólica, no ponto mais alto de Portugal Continental. Ainda que efemeramente, foi um país a seus pés. 

No dia da morte de Dinis Alves da Silva é importante relembrar não só Dinis Silva, mas todos aqueles que a passagem do tempo acaba por apagar das nossas memórias e que construíram o desporto que tanto apreciamos e seguimos.  

Dinis Silva durante a Volta a Portugal de 1974, ao serviço do Sport Lisboa e Benfica (retirado do facebook “Memorabilia do Ciclismo Português”)