Durante a Volta ao Algarve, conheci o meu ídolo. Não foi o João Almeida, pois já tive o privilégio de falar com o ‘Bota Lume’ algumas vezes. Não foi Jonas Vingegaard, porque era um homem com uma missão nessa semana, e cumpriu-a. Nem foi Primoz Roglic, a quem mostrei uma fotografia que lhe tirei na ‘Algarvia’ de 2016, que o deixou feliz e me garantiu uma nova fotografia. Foi, na verdade, Daniel Benson.
Muitos adeptos não reconhecem este nome. Pode perder-se na constelação de estrelas do ciclismo que corre a Volta ao Algarve… mas ele nunca se perde. Na verdade, quando combinámos falar pessoalmente no início da etapa 3, foi ele quem me encontrou. Não é uma estrela do ciclismo, mas é uma das razões pelas quais ouvimos falar delas. E poucos o conseguem fazer como ele.
Daniel Benson é, por isso, um dos melhores jornalistas de ciclismo do mundo. Na sua prestigiada carreira, desempenhou funções de editor na CyclingNews, VeloNews e Global Cycling Network (GCN). Por isso, cobriu muitos Tour de France, Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo no terreno. Agora, graças aos seus “adoráveis subscritores”, tem um projeto freelance onde pode escrever sobre o que quiser, de onde quiser. O ciclismo só tem a ganhar!
Quando soube que ele iria viajar até ao Algarve, soube também que tinha de o conhecer. Mas para além da minha disposição pessoal, esta entrevista da Portuguese Cycling Magazine é uma análise, em jeito de conversa, sobre o ciclismo e os seus meios de comunicação. Tem apenas a particularidade de colocar o entrevistador no lugar do entrevistado.

Vasco Serrano, para a Portuguese Cycling Magazine: Daniel, começamos pelo motivo da tua presença em Portugal, que é a Volta ao Algarve. Por que é que gostas tanto desta corrida?
Daniel Benson: Venho à Volta Algarve desde 2018. Depois voltei em 2022, depois em 2024, e esta [2025] é a minha quarta. Penso que é a melhor corrida de início de época. O tempo é incrível, a organização é sempre muito boa e o elenco é sempre muito bom. É um bom percurso, tens sempre uma boa mistura de sprints e um contrarrelógio, com chegadas em alto também. Os ciclistas ainda estão bastante relaxados, pelo que há bom acesso. E é um país adorável para se estar nesta altura do ano.
VS: No entanto, o Volta teve um início difícil este ano. E já testemunhaste problemas de segurança rodoviária na Étoile des Bessèges. O que pode ser feito para ultrapassar estes problemas?
DB: Acho que [a segurança rodoviária] tem de ser uma prioridade para todo o desporto. Não se vê apenas em Bessèges ou no incidente aqui, há muitas chegadas no ciclismo que são suspeitas. Uma coisa é ter regras, mas outra coisa é fazer com que as regras sejam aplicadas. Acho que o historial do Algarve é irrepreensível. Eu sei, porque já estive aqui algumas vezes e nunca vi nenhum incidente como este antes, por isso foi uma pena. E penso que o organizador da corrida, para ser justo, lidou muito bem com a situação, em termos das suas declarações, do que disse depois, assumindo a responsabilidade. Em termos mais abrangentes, sim, penso que o ciclismo tem muito a fazer em termos da segurança dos ciclistas nos próximos anos.
VS: Nasceste na Irlanda, mas agora és basicamente um cidadão do Reino Unido.
DB: Os meus pais são da Irlanda, eu nasci lá. Depois mudei-me para o Reino Unido quando era criança e estou lá desde então.
VS: De onde vem o teu interesse pelo ciclismo?
DB: Televisão. Assisti ao Tour de France em 1996 e era um grande fã de Miguel Indurain, mesmo que ele estivesse a perder. Ele tinha um companheiro de equipa português na altura, o Orlando Rodrigues, que ficou em 2º lugar na etapa do Super Besse. Eu era um grande fã daquela equipa e daquele uniforme em particular. De ver televisão em pequeno, simplesmente adorava o Tour.
VS: E de onde vem o teu interesse pelo jornalismo?
DB: Eu era péssimo a correr e a andar de bicicleta (risos). Gostava bastante de inglês e de jornalismo, por isso pensei: “Vou tentar isto e ainda posso escrever sobre algo que me apaixona”. Fiz estágios em algumas revistas no Reino Unido, quando estava na escola, e soube instantaneamente que era isso que eu queria fazer. Por isso, tive sorte nesse sentido. E, mais uma vez, tive sorte com outras oportunidades à medida que fui crescendo.
VS: O Geraint Thomas, que está a competir na Volta ao Algarve, anunciou recentemente a sua retirada do ciclismo. De modo geral, qual é a situação do British Cycling?
DB: É uma mudança geracional pela qual se está a passar. Quer dizer, tivemos a reforma de Cavendish no ano passado, este é provavelmente o último ano do Froome, o Geraint Thomas e a Lizzie Deignan também, é o fim de uma era! Mas depois tens talentos emergentes muitos bons: Oscar Onley, Max Poole, Callum Thornley, Pfeiffer Georgie… [mais tarde, fez também referência a Cat Ferguson e Josh Tarling]. Não creio que demore muito até vermos as grandes estrelas do ciclismo britânico no panorama mundial. Penso que o enigma é: qual é a situação das equipas daqui para a frente? Porque neste momento a Grã-Bretanha tem a INEOS e depois é difícil. Mas há grandes equipas como a Fensham [Howes-MAS Design-CAMS], a dar oportunidades a muitos ciclistas britânicos que estão a surgir nas categorias juniores. Uma dúzia de ciclistas foram de lá para o World Tour. Portanto, as bases ainda são fortes, mas há muito trabalho a fazer.
VS: Então, e se a nova geração sentir demasiada pressão, por ter de substituir uma geração de vencedores de Tour de France ou medalhados olímpicos?
DB: Boa pergunta. Não acredito que alguém diga à Cat Ferguson ‘vais ser a próxima Lizzie Deignan?’ Ou diga ao Max Poole ou ao Oscar Onley ‘vais ser o próximo Bradley Wiggins?’ Mas se a Grã-Bretanha produzisse um sprinter de classe mundial nos próximos anos, como o Noah Hobbs, e ele continuasse essa trajetória, as pessoas aí diriam ‘és o próximo Cavendish?’ Mas, de momento, não vejo pressão indevida sobre a próxima geração.
VS: Voltando ao jornalismo, fizeste carreira nas maiores publicações de ciclismo do mundo. O teu último projeto foi o GCN, e o encerramento do serviço de streaming foi um golpe duro para os fãs de ciclismo. O que pode contar sobre esta situação?
DB: Não muito, na verdade. Para ser muito honesto contigo, só lá estive um ano e pouco. Mas gostei muito do meu tempo na GCN e foi uma pena quando decidiram fechar o site.

VS: Atualmente tens o teu próprio projeto como freelancer. Como está a correr?
DB: Adoro. Está a crescer o tempo todo. Sou muito apaixonado por ele. Gosto de fornecer conteúdos exclusivos aos leitores e mostrar-lhes os bastidores do que acontece no World Tour do ciclismo. Estamos com cerca de 4500 subscritores neste momento. Dá muito trabalho, mas estou a gostar muito.
VS: Por fim, como gostas de escrever artigos ‘top 10’, gostaria de te pedir os 10 melhores momentos da tua carreira. [Depois de pensar um pouco, Daniel Benson recordou um momento singular que recorda com carinho]
DB: Uma coisa que me vem à cabeça foi no Tour de France em 2014. Eu estava a trabalhar com a Philippa York [comentadora ex-ciclista de renome], e ela não via o Greg LeMond desde o Tour de France de 1991. Juntei-os e encontrámo-nos em The Mall, em Londres, junto ao Palácio de Buckingham, onde terminava a etapa. Para mim, como fã, foi incrível ver esses dois grandes campeões. Foi um grande momento.”
Neste momento, quando olhámos para o nosso lado direito, vimos a Lidl-Trek a subir ao palco. Não houve tempo para mais perguntas, pois Daniel Benson apressou-se para entrevistar alguns ciclistas e criar mais momentos, não necessariamente para si, mas para centenas de fãs do ciclismo em todo o mundo. Agora que conheci o meu ídolo, a quem agradeço a disponibilidade, só me resta trabalhar para seguir o seu exemplo.
Foto de capa: Daniel Benson