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Nelson Oliveira no Tour de France 2025: “Não digo sorte, é não ter azar”

Nelson Oliveira pode ser considerado o grande voltista do ciclismo português. É verdade que nunca lutou pela vitória final e quase sempre teve o papel de proteger um líder. Mas ninguém tem tantas participações como ele: são 22 Grandes Voltas, correndo pelo menos uma por temporada.

Nelson não é um ciclista que apareça frequentemente na televisão. No entanto, já deixou duas imagens bonitas neste Tour de France: as viagens até à cabeça do pelotão, liderando o comboio da Movistar Team, e o apoio a João Almeida, quando este sofreu a queda que acabaria por ditar o seu abandono.

Após uma tentativa de fuga na etapa 11 do Tour, a Portuguese Cycling Magazine divulga a entrevista com Nelson Oliveira, realizada no dia de descanso.

Nelson Oliveira na partida da etapa 11. Foto: Movistar Team

Portuguese Cycling Magazine – Boa tarde, Nelson. Qual é o teu balanço do Tour de France até agora?

Nelson Oliveira – Para já, acho que é bom. Cumpri mais ou menos aquilo que a equipa me propôs, que era estar ao lado do Enric Mas até onde puder.

PCM – Como é o dia de um homem de trabalho numa primeira semana como esta?

NO – É tentar estar sempre bem colocado com o nosso líder e receber a ajuda e as indicações do diretor. Mas quando estamos em prova, onde estar acaba por ser nossa decisão. Às vezes é complicado estar no sítio certo no momento certo, mas temos feito um excelente trabalho nesse ponto. Estar bem colocado é cada vez mais difícil, porque todas as equipas querem estar na frente, mas fazemos o nosso melhor. Até hoje, felizmente, nada aconteceu e pudémos salvar os dias. 

PCM – Há diferença entre o Tour e as outras grandes voltas no capítulo da colocação?

NO – Sem dúvida. O stress acumulado pelo ambiente mediático ao redor das equipas e dos próprios diretores desportivos faz com que haja bastante nervosismo no meio do pelotão. Isso nota-se especialmente esta primeira semana, em que as estradas não eram as melhores. Havia vento e pequenas povoações que tínhamos de atravessar por completo que tornavam bastante perigoso o percurso, o que punha também muito stress no pelotão. Na televisão dá bem perceber a estrada sempre cheia e a grandes velocidades.

PCM – São muitos anos a apoiar o Enric Mas, não só no Tour como também na Vuelta. Como é a tua relação com ele?

NO – É bastante boa. Apesar de sermos companheiros de equipa, somos amigos. Ele confia em mim, eu confio nele e o que ele me pedir, eu tento fazer na melhor condição. Também é para isso que a equipa acredita em mim. Mas é uma relação sempre saudável e boa.

PCM – Na etapa 5, contrarrelógio individual, tiveste liberdade para fazer o teu resultado. Ficaste satisfeito com esse resultado?

NO – Sim. Já vinha há algum tempo a pensar em fazer um contrarrelógio bom, apesar de ser o Tour e os favoritos acabarem sempre por fazer grandes contrarrelógios. Mas sinto-me satisfeito. Era uma prova para ver como a minha condição física estava e foi boa. Também, quando parti, o vento começou a mudar para os últimos e isso fez algumas diferenças em relação àqueles que partiram muito cedo, como se fez notar nos líderes. As condições do vento mudaram e isso acaba por ter benefícios para uns e não para outros.

PCM – Na etapa 7, João Almeida sofreu a queda (que levaria ao seu abandono na etapa 9) e cruzaste a meta com ele. Como viveste esse final?

NO – Eu soube da queda já quando estava descolado. Tinha descolado na passagem pela meta anterior e depois vi que tinham caído alguns ciclistas. O João, apanhei-o já no último quilómetro. Então fui com ele até à meta, tentar perceber como é que ele estava e dar-lhe uma palavra de conforto, sabendo que uma queda é sempre complicada. Ainda mais para o João, na excelente forma em que estava o azar bateu-lhe à porta e, dadas as circunstâncias, depois teve de abandonar. Para o ciclismo português, não é bom, porque gostávamos de ter aqui o João a disputar e que chegasse a verdadeira montanha para ele demonstrar a capacidade que tem. Foi, infelizmente, uma perda.

Nelson Oliveira apoiou João Almeida na etapa 7. Foto: Sprint Cycling Agency/UAE

PCM – Em 22 grandes voltas na tua carreira, nunca tiveste de abandonar. Há algum segredo para isso ou é apenas sorte?

NO – Não digo sorte, é não ter azar. Felizmente, até ao momento, tenho tido esse não azar; não ter uma queda que me faça abandonar, apesar de em praticamente todas ter caído. Felizmente a saúde também acompanha e não há nenhum segredo para isso.

PCM – Como se adaptam o corpo e a mente depois de uma queda numa grande volta?

NO – É tentar recuperar o mais rapidamente possível e sentir-me bem dentro da corrida. Agora, depende também do tipo de queda.

PCM – Na etapa 10, tivemos uma amostra de como o Tour pode ser corrido nas montanhas. Como vai a Movistar Team lidar com esta situação de corrida?

NO – Não sei. O Tour é, basicamente, ir de dia a dia e tentar perceber como é que o Enric possa estar na alta montanha, porque agora vem a verdadeira montanha. Ontem foi um aperitivo, uma etapa bastante dura, mas eram 10/15 minutos de subida. Não é uma hora de subida. Por aí, as coisas possivelmente vão mudar. As subidas vão-se fazer de outra maneira, vai-se correr de forma diferente, e é onde o Enric se adapta melhor. Esperemos que assim seja.

PCM – O dia de descanso do Tour costuma ser um dia de anúncios, e o teu contrato com a Movistar termina no final deste ano. Já tens o teu futuro definido?

NO – Está num bom caminho, podemos dizer assim.

PCM – Daqui para a frente, o que seria um bom Tour para ti?

NO – Para já, fazer aquilo que tenho vindo a fazer até agora, que é estar ao lado do Enric até onde as minhas capacidades físicas me permitirem. Se tiver alguma oportunidade de entrar numa fuga, assim será. Apesar de hoje em dia e neste Tour ser bastante complicado. Há etapas que sabemos que chega a fuga e mais de metade do pelotão quer entrar na fuga. Acaba também por ser preciso um ponto de sorte para estar nessa fuga. Mas vamos dia a dia e veremos.