Ivo Oliveira antevê os Campeonatos da Europa de ciclismo de estrada e discute a glória olímpica de Iúri Leitão e do seu irmão Rui Oliveira
Ivo Oliveira tem 28 anos, corre na UAE Team Emirates, e vai participar nos seus quartos Campeonatos da Europa de ciclismo de estrada, já para não contar todos os Europeus de pista. Ele é o outro elemento da ‘equipa vencedora’ que recentemente conquistou uma medalha de prata e uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, formada por Iúri Leitão e o seu irmão Rui Oliveira, e que se vai encontrar pela primeira vez na estrada. Como objetivo pessoal, tem tornar-se num dos melhores contrarrelogistas portugueses, especialidade onde entra em ação esta quarta-feira, em Zolder e Hasselt, na Bélgica. No domingo, corre a prova de estrada com os seus companheiros de seleção e sobretudo amigos.
Nos Jogos Olímpicos, após conquistar a medalha de ouro, o teu irmão disse que tu também merecias a medalha, e agora vais correr com ele e com o Iúri Leitão nos Europeus de ciclismo de estrada. Sentes-te parte da equipa vencedora?
Foram eles que conseguiram as medalhas, mas o bloco que esteve a fazer a qualificação olímpica, o João Matias e o Rodrigo Caixas também, sente-se parte dessa medalha, porque todos contribuímos para que o país se qualificasse. No final, o selecionador teve de fazer uma decisão e fez a melhor em prol daqueles que eram os resultados que ele previa. Falo por mim, mas acho que eles também se incluem no que eu estou a dizer, e fazemos parte dessas medalhas.
E agora, a equipa vencedora vai passar para a estrada nos Europeus. Como é que vocês os três se sentem?
É interessante, gosto de ter os dois comigo – ainda não os tenho, porque estou aqui sozinho – e nunca nos juntámos os três, acho que é a primeira vez. O Iúri esteve comigo nos Europeus do ano passado, mas com os três é especial. Temos uma dinâmica muito boa entre nós e acho que vai ser bonito partirmos para a mesma corrida, sem ser pista. Estamos muito motivados.
Nos últimos dias, tem havido uma discussão em torno das vagas não ocupadas pela Federação Portuguesa de Ciclismo. Como tens acompanhado esta situação?
Reparei que as vagas não foram preenchidas, mas isso sinceramente não me cabe a mim decidir. É óbvio que gostaria que tivéssemos aqui mais gente, mas isso não aconteceu. Por certo haverá um motivo, mas não estou a par, logo não sou a melhor pessoa para responder a isso. Sei apenas que fui convocado e fico contente. Para mim é a motivação de todos os anos, tentar ser convocado para os Europeus e para os Mundiais, tanto na estrada como na pista.
Pela frente, um circuito de Limburg com um toque de Flandres, e o Rui Oliveira falhou as clássicas da Flandres por lesão. Quão importante é esta oportunidade para ele se afirmar neste tipo de corridas?
Eu acho que é uma prova boa. Vamos passar bastantes vezes e acaba como se fosse mesmo uma clássica. Ainda não tive a oportunidade de olhar a fundo para o percurso, porque estou mais focado no contrarrelógio agora, mas acho que pode ser uma oportunidade [para o Rui]. Ele tem vindo a sentir-se bem. Agora passou pela ‘fúria’ dos Olímpicos, mas acho que vai ganhar forma e acho que pode ser um bom percurso para ele estar na frente. Depois tem a minha ajuda e do Iúri. Acho que podemos tentar estar bem colocados e pensar em estar com ele na frente. Vamos lá!
Quanto a ti, sofreste uma lesão também, mas tens andado muito forte na segunda parte da temporada. O que seria um bom resultado para ti nos Europeus?
Nestes Europeus, não sei… tenho-me sentido bem nos treinos, mas em algumas provas não me tenho conseguido afirmar. No contexto da equipa, é muitas vezes complicado afirmares-te quando há 5 ou 6 líderes. Contudo, acho que tenho feito o meu trabalho e a equipa está feliz. No final de contas, é isso que me interessa. Em relação a este percurso, no contrarrelógio gostava de atingir um top 10. Não sei o quão realista é – o contrarrelógio é sempre aquele dia em que ou te sentes muito bem ou te sentes péssimo. Nos contrarrelógios em provas por etapas não sou brilhante, mas acho que no ano passado [Europeus] andei bem, não fiquei muito longe do top 10 [18º lugar, a 22 segundos do 10º lugar], e houve bastantes ciclistas a participar. Também corri há dois dias em Hamburgo e foi uma corrida dura, a ver se recupero. Hoje não me senti brilhante, mas é normal, estive a correr e tive a viagem logo a seguir. Acho que, com duas noites boas de sono, vou estar bem no contrarrelógio. Vou tentar desfrutar ao máximo no contrarrelógio que adoro fazer. Já fiz bastantes Europeus e Mundiais. Cada vez gosto de trabalhar mais esta disciplina e tento ser dos melhores portugueses. Temos 3/4 nomes bastante bons no contrarrelógio e eu quero tornar-me num deles.
É justo dizer que tu e o teu irmão passaram pelos altos e baixos do desporto em 2024. No meio das variações, qual deve ser a constante?
Não ter lesões nem quedas, acho que é mais isso (riso). Os impedimentos que têm travado a nossa época têm sido as quedas, mas acontecem a muitos atletas e é normal, nós fazermos corridas em que arriscamos muito. O Rui teve [uma queda] logo no início da época na Omloop Het Nieuwsblad… acontece muito, o Van Aert também teve uma série de quedas. Mas por norma, quando voltamos dessas quedas, voltamos ainda mais fortes, porque também servem como período de descanso. E viu-se: o Rui teve a queda e depois voltou para a equipa que ganhou o Giro, e foi tudo uma bola de neve até chegar aos Olímpicos e correr tudo espetacular. Eu também tive a minha queda, fraturei a mão, fui operado e passado 20 dias já estava a correr os nacionais; foi um pouco mais apressado. Assim, para correr uma época perfeita, para qualquer atleta, é não ter lesões ou problemas de saúde.
Falando dos altos, conta-nos como viveste aquele dia no Velódromo de Saint-Quentin-sur-Yvelines.
Ainda hoje digo a toda a gente: eu não consigo descrever aquelas últimas 40 voltas, parecia que me drogaram e estava no outro mundo, na outra galáxia, a viver um momento espetacular (riso). Estava junto ao meu irmão mais velho e os meus pais também estavam, mas no outro lado da bancada, porque não podíamos estar juntos. Com o meu irmão mais velho, vivi aquilo. Aquelas últimas 40 foram mesmo incríveis, não dá mesmo para explicar. No Velódromo, foi ver um sonho a acontecer: nas últimas 20 voltas, entrar nas medalhas e depois eu virei-me para o meu irmão e disse “isto vai dar para ouro”. E depois, nas últimas 10 voltas, no meio da euforia, reparei que o Rui e o Iúri estavam a trocar para que o Iúri fizesse o sprint na última volta e eu sabia que ele tinha aquela machadada final que eu já conheço bem. Eles estiveram os dois muito bem, o Rui por conseguir estar fora da corrida e travar para entrar o Iúri na última volta e meia, para obter aquele kick final, taticamente foi excelente. Se não me engano foi a corrida mais rápida do mês até na história. Foi lindo de ver, mesmo que não tivessem ganho uma medalha, a forma como eles encararam a corrida, com uma calma que parecia que estavam a correr uns campeonatos nacionais. E acho que foi essa calma que lhes permitiu ganhar a medalha.
Com a sua prestação em Paris 2024, o Iúri Leitão tornou-se num dos maiores atletas olímpicos portugueses de sempre. Como é que esse novo estatuto vai impactar a sua participação nos Europeus?
Eu acho que só traz coisas boas, e já não é a primeira vez que tenho corredores e equipas World Tour a falar comigo e a perguntar-me pelo Iúri. Acho que é uma questão de tempo até o Iúri entrar numa equipa World Tour. Acho que as equipas ainda não compreendem o potencial que ele tem. Ele tem mesmo muito potencial na pista, já não é surpresa para ninguém, mas mesmo na estrada já ganhou uma Volta à Grécia aos melhores sprinters do mundo. Na pista, onde já conquistou os dois maiores títulos – foi campeão do mundo e campeão olímpico em duas disciplinas olímpicas – pode conquistar e reconquistar muito nos próximos anos, e na estrada também pode ter um futuro brilhante, é só ele querer e as equipas estarem atentas a ele.
Por último, alguma mensagem para os portugueses que vos vão apoiar na Bélgica?
Aos imigrantes que estiverem na Bélgica, e por norma eles vêm sempre a apoiar, e aos que estão em casa: que apoiem, que assistam à corrida e que estejam connosco!
Agradecemos ao Ivo Oliveira e à Federação Portuguesa de Ciclismo por nos terem concedido esta entrevista, e desejamos-lhe boa sorte nos Campeonatos da Europa de ciclismo de estrada!
Foto de capa: UVP-FPC
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