Categories Entrevistas Estrada Internacional

EXCLUSIVO: Entrevista com Elisa Longo Borghini

Na antecâmara da temporada de 2025, a Portuguese Cycling Magazine esteve à conversa com Elisa Longo Borghini, campeã italiana de estrada e um dos maiores nomes do pelotão feminino. Longo Borghini trocou a Lidl-Trek pela UAE Team ADQ durante a off-season e, aos 33 anos e na sequência de uma das melhores temporadas da sua carreira, parte para um novo desafio.

Aqui fica a entrevista completa.

ENGLISH VERSION

Portuguese Cycling Magazine: Já estavas no projeto Trek desde 2019 e 2024 foi uma das melhores épocas da tua carreira. Porquê sair agora?

Elisa Longo Borghini: Senti que após seis anos era altura de uma mudança. Provavelmente só vou correr mais três ou quatro épocas e queria experienciar algo novo e partir para uma nova aventura, encontrar um novo ambiente e novas pessoas.

PCM: Porquê a UAE? Apesar de no lado masculino ser um projeto muito bem sucedido, no lado feminino ainda não têm uma grande vitória de assinatura.

ELB: Sim, é verdade e isso foi o que me atraiu. A ambição da equipa e do projeto que têm para os próximos três/quatro anos, querem mesmo tornar-se numa das melhores equipas e têm toda a estrutura e recursos para o ser. Precisavam de uma líder, falaram comigo e parece-me que têm um plano muito ambicioso e isso atraiu-me muito.

PCM: Certamente que a equipa ter tantas corredoras italianas torna mais fácil a adaptação.

ELB: Eu nunca tive nenhuns problemas com atletas de outros países, porque estive desde cedo em equipas estrangeiras onde era a única italiana, então para mim isso não é muito importante. Tanto as ciclistas italianas como as de outros países que a UAE tem sob contrato são corredores fortes, a quem talvez só faltava alguém que conseguisse um grande resultado. Sempre olhei para elas e pensei: “esta equipa tem potencial, gostava de correr com estas mulheres”, então estou muito feliz com todas as pessoas que encontrei na equipa até agora.

PCM: Esta off-season foi muito ativa, com três corredoras do top 10 da UCI a mudar de equipa [Elisa Longo Borghini, Demi Vollering e Juliette Labous] e ainda corredoras como Cecilie Uttrup Ludwig, Marlen Reusser e Marta Cavalli. Como olhas para estas mudanças? Porque achas que tantas ciclistas de alto nível mudam de equipa no ciclismo feminino, algo que não vemos tanto no lado masculino?

ELB: É uma boa pergunta. Acho que há muitas boas corredoras neste momento, o nível subiu e toda a gente está à procura de uma equipa onde possam ter as suas próprias chances e o seu próprio programa. Acho que 2025 vai ser um ano fantástico no pelotão feminino e que vai haver muitas boas corridas, porque há várias corredoras fortes em equipas diferentes.

PCM: Para além dessas trocas de equipa, em 2025 Anna van der Breggen e Pauline Ferrand-Prévot vão estar de volta à estrada. Como vês o regresso dessas duas grandes ciclistas e achas que esse regresso de corredoras que nas últimas épocas estiveram fora do pelotão pode mudar alguma coisa na dinâmica e atmosfera do pelotão?

ELB: Ter corredoras a voltar ao pelotão significa que o ciclismo feminino se tornou mais atrativo e que há coisas grandes para vir. Acho que com o regresso do Tour de France em 2022, as pessoas estão mais ansiosas para tentar obter uma vitória nesta Grande Volta e também temos visto muito mais atenção mediática. Depois, também há motivações pessoais atrás de um comeback, que eu não sei e não posso julgar. Acho que vai ser bom ter Prévot e van der Breggen de volta no pelotão, porque são corredoras de alto nível e desejo-lhes todo o melhor. Desejo sempre que as minhas oponentes sejam fortes, porque gosto de batalhar e de ter corridas duras.

PCM: Este ano vais regressar ao Tour, no ano passado não estiveste presente. O que achas do percurso? Esperaste para o ver antes de decidires se estarias no Tour este ano ou era algo que já querias fazer?

ELB: Começando pelo início, no ano passado não estive no Tour não porque não queria, mas porque caí em treino e não pude participar. De outra forma, teria adorado correr o Tour e foi uma grande desilusão para mim não ter estado no Tour no ano passado porque teria sido uma boa chance de ajudar as minhas companheiras e de tentar ganhar etapas. Eu vi o percurso, acho que é muito exigente e vai ser muito duro. Provavelmente estarei na partida, não sei se para lutar pela classificação geral ou à caça de etapas, porque ainda é muito cedo, mas certamente que é uma corrida onde quero estar. Nas últimas edições não tenho tido muita sorte e gostava muito de terminar o Tour sã e salva por uma vez. Ir da etapa um à etapa nove e terminar em segurança: é o meu maior objetivo para 2025

PCM: Já estiveste na Madeleine ou em Joux-Plane a reconhecer as subidas ou isso virá mais tarde no ano?

ELB: Provavelmente virá mais tarde. Tive a minha off-season e a minha preparação de inverno, então ainda não estive muito focada nas etapas do Tour, para ser honesta.

PCM: Umas semanas antes do Tour vais estar no Giro a defender o teu título. No ano passado tiveste uma batalha espetacular com a Lotte Kopecky e estavam apenas separadas por um segundo antes da última etapa. Como é para ti correr nessas circunstâncias, com margens tão apertadas entre ciclistas? É mais excitante ou sentes mais pressão?

ELB: Claro que a pressão está lá, mas gosto desse tipo de finais de thriller, digamos. Dão-me muita motivação, eu gosto quando as coisas ficam apimentadas e de estar na luta por aquilo para que me preparei. Preparei-me muito para esse Giro, era o meu maior objetivo da época e queria muito a maglia rosa, então estava muito motivada para esse dia.

PCM: Como planeias esse mês da dobradinha Giro-Tour em termos de forma? Vais tentar estar no pico já em Itália e manter o nível ou vais em ascensão de forma até ao Tour?

ELB: Vamos esperar um momento… de certeza que não vou tentar a dobradinha Giro-Tour. Isso é muito ambicioso – e eu sou uma pessoa ambiciosa -, mas também sou muito realista. O meu objetivo é o Giro e depois, se me sentir bem, vou tentar a classificação geral no Tour. Mas não é uma obsessão, vamos ver como corre o Giro e depois vamos ao Tour… a dobradinha não está na minha lista. Sou humana (risos).

PCM: Conheces as subidas de Valdobbiadene e do Monte Nerone?

ELB: Conheço Valdobbiadene, não é muito longe de Treviso. Não conheço a etapa do Monte Nerone e é uma que vale a pena reconhecer, porque parece muito dura, com muitas subidas e acho que tens de conhecer bem a etapa para fazer o teu melhor.

PCM: A etapa final em Imola tem um percurso semelhante à do ano passado, com um dia bastante acidentado para decidir a corrida.

ELB: A última etapa em Imola é a volta dos campeonatos do mundo de 2020, então eu conheço bem o percurso. Fui terceira nesses mundiais e gosto muito da etapa. Eu acho… eu espero que a classificação já esteja bem formada na última etapa, senão vai ser outra grande batalha.

PCM: Vais abrir o ano pela terceira vez seguida no UAE Tour. Quão diferente é a preparação e motivação para a corrida agora que representas a equipa da casa?

ELB: Sim, é um objetivo maior para a equipa. Estou agora no Teide a preparar-me, mas no final das contas só posso dar o meu máximo, não consigo prever o resultado da corrida. Vou tentar estar em boa forma e fazer o meu melhor para obter o melhor resultado possível. Toda a gente está lá para tentar ganhar a corrida e vais sempre encontrar alguém mais forte do que tu uma vez. Neste momento sinto-me bem, não posso prometer uma vitória, mas darei o meu melhor.

PCM: Em 2025 vamos finalmente ter o regresso de Sanremo para o pelotão feminino. Já disseste que vais estar presente, é uma corrida que está nos teus objetivos?

ELB: Sanremo é uma corrida onde quero muito estar bem, claro. Acho que temos corredoras na equipa como a Swinkels e a Persico que são mais do que capazes de ganhar a corrida, então vou estar lá e vou fazer o meu melhor para a ganhar, mas estou mais ansiosa para as Ardenas. É aí que pus o meu ‘círculo vermelho’ e estou mais focada nessas três corridas, mas claro que quero estar ativa em Sanremo.

PCM: Estava a ver o palmarés das clássicas de primavera World Tour e as Ardenas são praticamente as únicas que ainda não ganhaste. Isso é algo em que tu pensas, “que corridas é que ainda não ganhei que posso tentar no próximo ano”?

ELB: Sim… é mais porque há uma corrida de que eu gosto mais do que todas as outras, a Liège-Bastogne-Liège. Eu gostava mesmo muito de a ganhar uma vez, porque é uma corrida fascinante e, juntamente com a Strade Bianche, são as minhas corridas preferidas. Já ganhei a Strade e nunca ganhei a Liège, estive sempre muito perto e neste momento quero muito ir tentar ganhar.

PCM: Ainda há uma grande corrida sobre a qual tenho de te perguntar, os Campeonatos do Mundo. Neste ano, e a marcar a expansão global do ciclismo, é a primeira vez que o título vai ser disputado em África. O que achas disso e o que achas do percurso?

ELB: É uma coisa bastante entusiasmante, sinto-me orgulhosa de fazer parte do pelotão e espero ser selecionada para os Campeonatos do Mundo, claro. Quero muito estar nessa corrida, porque é um marco, é a primeira vez em África e, como disseste, marca a expansão global do ciclismo. Acho que o percurso se encaixa nas minhas características. Vai ser muito duro porque é em média altitude e, como ciclista, já vais sentir mais algumas dificuldades, então quero muito estar bem nessa corrida.

PCM: És profissional desde 2011 e já estiveste em várias estruturas diferentes. Como vês as mudanças que ocorreram durantes estes já 14 anos? Achas que o ciclismo mudou muito?

ELB: No geral, o ciclismo evoluiu muito. Agora, se fores a uma corrida vês equipas com autocarros e camiões grandes. Quando me tornei profissional, só havia pequenas autocaravanas e carrinhas. O nível de profissionalismo cresceu muito, tanto como o nível do pelotão. Nos últimos cinco anos tem havido um pico de interesse no ciclismo feminino, patrocinadores a investir e novas equipas a surgir. Acho que é uma tendência que devemos continuar e espero que o desporto continue a crescer.

PCM: Há algo em particular que achas que ainda falta fazer nos próximos anos ou achas que o ciclismo já está num estado com que te sentes satisfeita?

ELB: Acho que a categoria sub-23 tem de ser mais destacada e que têm de existir equipas de desenvolvimento, ou pelo menos tem de haver mais apoio para as equipas pequenas. É lá que estão todos os recursos humanos para as equipas World Tour e as jovens ciclistas deviam poder desenvolver-se nas categorias sub-23 e amadurecer atleticamente. Acho que às vezes perdemos alguns talentos, porque não estão preparados fisicamente para ser atirados para as corridas World Tour. De cada 10 boas juniores, talvez só duas ou três são capazes de ser boas elites, mas não porque as outras sete ou oito são más corredoras. Podem só estar um pouco atrasados no crescimento ou precisar de mais tempo para evoluir como ciclistas, então gostava de ver o básico do nosso ciclismo a também crescer e não só o pináculo. É muito triste para mim ver juniores talentosas perder-se, porque vão para uma equipa World Tour e não conseguem seguir o ritmo, os calendários… também o stress de estar numa equipa World Tour. Gostava que tivessem um crescimento constante e evoluir como pessoas e ciclistas, e depois enfrentar o World Tour. Acho que perdemos muitas ciclistas não por serem más, mas porque ficam perdidas no processo.

PCM: Para fechar num tema mais leve, o esqui é provavelmente o desporto com mais ligação ao ciclismo. Quando estava a preparar esta entrevista, vi que a tua mãe era esquiadora profissional. É um desporto que também já praticaste ao crescer?

ELB: Eu nasci com esquis nos pés. Tanto eu como o meu irmão nascemos na neve, porque seguíamos a carreira da minha mãe e viajávamos com a seleção nacional constantemente. Nós começamos no ski cross-country, mas depois ambos ficamos cansados da neve, do frio, de testar esquis o tempo todo e de ver a mãe e o pai com esquis. O meu irmão escolheu o ciclismo primeiro e eu sou muito apegada a ele, queria emulá-lo e também experimentar este desporto, mas definitivamente comecei com o esqui.

PCM: Disseste que desde criança sempre viajaste muito. Achas que isso fez com que fosse mais fácil para ti adaptares-te ao ritmo de ser uma ciclista profissional?

ELB: Isso eu não sei. Posso dizer que sim, mas honestamente não sei. Acho que viajar tanto quando era criança fez a minha mente ser mais aberta e os meus olhos mais interessados em capturar culturas diferentes e tentar conhecer e percebê-las melhor. Tenho sido privilegiada durante toda a minha vida, para ser honesta, em ter a oportunidade de viajar muito enquanto criança e ter a vida que tenho agora.

Agradecemos a Elisa Longo Borghini e à UAE Team ADQ por nos terem concedido esta entrevista.

Foto de capa: UAE Team ADQ

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *