Categories Estrada Internacional

Giro de Italia 1979: O pior de sempre

Francesco Moser é, incontestavelmente, um dos grandes nomes da história do ciclismo italiano, e também, mundial. Vencedor, durante a sua longa carreira de 15 anos, de várias provas importantes, nos quais se incluem 3 Paris-Roubaix (tal como van der Poel, de seguida), 1 Campeonato do Mundo (de estrada e de pista), 2 Giro de Lombardia, 1 Milano – San Remo e umas estrondosas 23 etapas no Giro de Italia, Moser foi a figura do ciclismo italiano durante as décadas de 70 e 80. Apesar disto tudo, “O Xerife chegava a 1979 ainda sem uma grande volta em seu nome, e os seus compatriotas começavam a cobrar uma vitória ao ciclista que se aproximava dos seus 30 anos.  Dotado com uma invejável capacidade no contrarrelógio, um bom sprint e uma surpreendente capacidade de trepar bem o suficiente para ser sempre um perigo para a geral, o ciclista italiano vinha de um 4º, um 2º e um 3º lugar nas últimas 3 edições do Giro, e tinha um perfil à sua medida na edição de 1979. 5 contrarrelógios, etapas com montanhas duras, mas com a última subida ainda longe do final, e com apenas uma chegada em alto, Moser perfilava-se como o favorito principal para a vitória, escudado pela equipa da Sanson. 

Francesco Moser de rosa, no Giro de Italia de 1979. Retirado de “Pinterest”.

Ao arranque do Giro, além de Moser, Giuseppe “Beppe” Saronni – outro dos grandes nomes italianos na viragem da década 70 para 80, da equipa da Scic – se encontrava na startlist. Vencedor de 3 etapas na edição anterior, com ainda uns tenros 20 anos, já se depositava nele a esperança para disputar, e vencer, um Giro. Um excelente trepador, muito explosivo – como evidenciado na sua vitória nos Mundiais de 1982 – e também forte no contrarrelógio, aparecia como uma das esperanças italianas a disputar o Giro de 1979, mas acima de tudo os vindouros.  

Giuseppe Saronni em atividade promocional da equipa SCIC – Bottecchia. Retirado do Facebook “TBW23 Stuart Hall Cycling”

Também presente, para defender o seu título de 1978, encontrava-se Johan de Muynck – trepador de excelência, mas limitado no esforço individual -, coajudado pelo eventualmente importante, e talvez o mais forte na prova – Knut Knudsen, um exímio contrarrelogista. 

Knut Knudsen, com as cores da Bianchi – Piaggio. Retirado do Facebook pessoal.

O Giro começou, como planearam os italianos, bem. Vencedor do prólogo e da terceira etapa em linha, Moser assumia cedo a liderança e favoritismo, porém, de forma algo surpreendente, no pelotão começou a circular uma conjuntivite. À oitava etapa, novamente um contrarrelógio, Moser sofreu da doença que percorria o pelotão e quem capitalizou foi Saronni, aproveitando a segunda parte em subida do contrarrelógio para chegar à maglia rosa, ganhando com quase 1 minuto e meio de avanço sobre Moser, mas apenas 32 segundos sobre Knudsen, que se mostrava em excelente forma, com 4 pódios em etapas, que ultrapassava na geral Moser, e colocava-se a cerca de 30 segundos de “Beppe”, no segundo posto.

A décima etapa, outra que definia a geral, e novamente um contrarrelógio, foi ganha por Knudsen e soava os alarmes italianos, que viam a maior prova italiana a poder cair novamente para um estrangeiro da equipa da Bianchi – Faema, pois o norueguês encontrava-se agora a apenas 18 segundos de “Beppe”. A etapa seguinte era considerada a etapa rainha da prova e apesar dos muitos ataques e contra-ataques, e até com Moser a chegar a estar a mais de 1 minuto na estrada de Knudsen e Scaroni, os últimos 50 quilómetros eram planos, o que permitiu aos 3 mais fortes na prova chegarem juntos, apenas a 15 segundos da fuga com homens mais atrasados na geral. Daqui até ao final haveria mais um contrarrelógio, poucas etapas de montanha e apenas uma chegada em alto. Perante este cenário, a hipótese norueguesa começa a assustar cada vez mais, pois Moser claramente não aparenta forças para destronar o norueguês, nem Saronni tem subida o suficiente para construir uma margem confortável antes da etapa final, em Milão.

O percurso do Giro de Italia de 1979. Retirado do site bikeraceinfo.com

Ainda assim, Knudsen tentou e na etapa 12 chegou mesmo a conseguir um minuto de avanço ao duo italiano, mas que com vento de frente e ainda longe da meta, foi recomendado parar pelo seu diretor desportivo e esperar pelo pelotão. Knudsen, mais tarde, arrepender-se-ia de ter seguido as recomendações da sua equipa, em vez de prosseguir na sua tentativa, pois na etapa 16 – ganha por Roberto Ceruti –  Knudsen encontra-se novamente isolado do duo italiano e na descida do Passo de la Mauria até Pieve di Cadore, a organização deixa vários carros fazer a ponte entre o grupo da geral e Ceruti, importunando de tal forma o norueguês que o mandam fora de estrada, lesionando-lhe o joelho, o que levaria à sua desistência dois dias depois.  

O resultado foram acusações de parte a parte entre Knudsen, a organização, Moser e Saronni. Enquanto Knudsen se queixou que a organização não deixaria um estrangeiro ganhar o Giro pela terceira vez seguida (depois dos belgas Michel Pollintier e Johan de Muynck), e a organização se escudar, afirmando que o acidente não passou…de um acidente; Moser acusava Saronni de aproveitar-se da queda de Knudsen para ganhar tempo de vantagem sobre o norueguês – declarando até que tudo faria para Saronni perder -, e Saronni acusava Moser de fazer, hipoteticamente, algo semelhante. Estas acusações acabaram mesmo por ser os maiores ataques entre os italianos na prova.  

Saronni, na frente, Moser de rosa, e Knudsen a azul atrás. Os três nomes de maior importância do Giro de 1979. Retirado de “wikimedia”.

O contrarrelógio final, em Milão, trouxe vitória na etapa e na geral de Saronni sobre Moser, e apesar de não ganhar o ciclista esperado, a vitória ficava em casa. Saronni ganharia mais um Giro em 1983, ganharia 24 etapas em Giros (ou Giri), e várias provas num período de sonho entre 1978 e 1983. A partir daí, tem dois bons anos em 1985 e 1986, mas aos 26 anos passaria o seu auge. Moser ganharia o Giro em 1984, num ano em que nem seria o melhor para as suas caraterísticas e já no ocaso da carreira, e em 1985 faria novamente segundo, atrás do ultra campeão francês Bernard Hinault. Knut Knudsen, vencedor de várias etapas do Giro, nunca mais se aproximaria novamente de disputar de uma vitória deste nível. 

Saronni em Milão, após vencer a última etapa, e consequentemente, a geral do Giro de 1979. Retirado do site bikeraceinfo.com

O Giro de 1979 foi aborrecido, sem etapas em que grandes decisões fossem feitas, devido ao terreno não o permitir (excetuando, claro está, os contrarrelógios) tornando-se por isso, uma prova para esquecer. Ou, na Portuguese Cycling Magazine, para recordar.