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Entrevista com Marion Bunel: “Sou muito feliz na minha bicicleta”

A Portuguese Cycling Magazine esteve à conversa com Marion Bunel, uma das jovens ciclistas mais promissoras do pelotão feminino. A francesa deu o salto da St Michel – Mavic – Auber93 para a Team Visma | Lease a Bike nesta off-season e revelou-nos a sua jornada até este salto na carreira e alguns dos seus objetivos para o futuro. Bunel vai estar presente nas três provas das Ardenas, a partir deste domingo.

Marion Bunel revelou-nos também que tem sangue português e que a sua mãe é natural de Viana do Castelo.

ENGLISH VERSION

Portuguese Cycling Magazine: 2024 foi a tua primeira época como profissional e terminaste no top 5 numa corrida por etapas World Tour – UAE Tour – e tiveste um Tour de France impressionante. Acreditavas que ias ter este nível de resultados no teu primeiro ano?

Marion Bunel: Talvez acreditasse, mas não esperava fazê-lo. Acredito mais agora, mas fazer o que fiz no ano passado é realmente incrível e eu não esperava ter todas essas grandes performances. Especialmente no meu primeiro ano no pelotão profissional, o que importava acima de tudo era aprender e descobrir, então esses resultados superaram as minhas expetativas.

PCM: A transição das camadas jovens para as corridas World Tour tem sido historicamente bastante complicada no ciclismo feminino e muitas atletas precisam de algum tempo para se adaptar. Como foi esse processo para ti?

MB: O primeiro ano foi muito rápido, os meus primeiros bons resultados apareceram cedo na época. Acho que estou realmente nesse processo agora, especialmente com a minha nova equipa, Team Visma | Lease a Bike. É como um segundo começo entre as profissionais, uma segunda época como neo pro, e sinto que este ano vai ser decisivo, com muitas coisas que aprendi e que ainda vou aprender. Talvez esta época seja mais importante que a última, acho que os próximos meses vão ser difíceis, mas estou OK com isso porque sou muito feliz na minha bicicleta.

PCM: No ano passado, quando voltaste às corridas jovens no Tour de l’Avenir, que diferenças sentiste na corrida?

MB: Senti grandes diferenças, especialmente porque fiz a corrida logo depois do Tour de France e isso era a maior corrida do ano. Foi muito diferente e senti diferenças na atmosfera. As ciclistas são mais jovens e a tensão não é a mesma. Especialmente depois do Tour de France, onde senti muita pressão durante toda a semana, no Tour de l’Avenir senti menos. Lembro-me que em 2023 o Tour de l’Avenir foi mais ansioso para mim, porque era amadora. Acho que a experiência de fazer uma corrida tão grande antes do Tour de l’Avenir 2024 me fez sentir mais confortável.

PCM: Então correste mais livre?

MB: Não exatamente mais livre, mas mais relaxada. Talvez também porque estava mais confiante a competir com mulheres da mesma idade que eu. Quando corres com a Demi [Vollering] e outras ciclistas desse nível uma semana antes, claro que não sentes a mesma confiança. Com o pelotão jovem, com a mesma idade que tu, sentes que tens um lugar melhor e consegues lutar por ele mais facilmente.

PCM: Na off-season deste o salto de uma equipa continental para uma das maiores equipas do mundo. Como foi esse processo? Como te estás a adaptar a uma estrutura maior, com mais colegas, mais staff e mais ambição?

MB: A história começou em 2023, também com o Tour de l’Avenir. Um dos managers da Team Visma | Lease a Bike falou com o meu manager, depois de ver a minha performance na montanha, e seguiu-me no ano seguinte. Fiz boas corridas desde o início da época e os contactos começaram na primavera. Tivemos algumas boas conversas e fiquei seduzida com o que falamos e com o programa que me podiam dar para os próximos três anos. Estava muito satisfeita com isso e esta era uma das minhas equipas de sonho. Tenho descobrido muitas coisas desde o outono e o meu inglês tem melhorado muito, há três meses não falava quase nada. Todo o material, todo o staff, é outro nível e, para mim, é o melhor nível. Tenho tudo, e talvez mais que tudo, o que preciso para estar ao melhor nível, então agora tenho de me adaptar a isto e tentar o meu melhor para conseguir bons resultados.

PCM: O que mudou no teu treino e na forma como te preparas desde que chegaste à Team Visma | Lease a Bike?

MB: Estamos a tentar uma adaptação lenta, sem muitas mudanças, mas claro que são muitas mudanças. No ano passado, e desde o início, era treinada pelo meu pai e ele conhece-me como eu me conheço, então era muito bom. Tentamos sempre ter treinos naturais, baseados em sensações. Agora é o mesmo, mas com muito mais: campos de treino em altitude, a época é planeada com períodos de treino e de recuperação depois das corridas. Eu estava mais habituada a treinar durante a semana e a correr no fim-de-semana, como na temporada amadora. Agora é diferente, mas muito interessante de descobrir. O campo de treino tem três semanas e é muito longo e o treino mais específico com números e toda a análise também é uma grande mudança.

PCM: Estás a trabalhar especificamente em alguma das tuas ‘fraquezas’ como ciclista ou é um trabalho mais geral, para melhorar em tudo?

Eu, o staff e o meu treinador sabemos que tenho talento na montanha, então acho mais inteligente, e é o que queremos fazer, treinar e melhorar nesta especialidade. Claro que também quero melhorar no contrarrelógio, porque é importante para a classificação geral, e também nas etapas planas e nas echelons, mas tenho de me relembrar que esse não é o meu perfil. Por exemplo, no UAE este ano tivemos muitas etapas com esses cortes e foi muito duro para mim, estive sozinha no deserto a semana toda. Foi uma história engraçada, mas não posso ficar desapontada com este tipo de corridas, porque não é o meu perfil. Faço o melhor possível, mas queremos estar bem na montanha, onde sou mais forte, e trabalhamos para isso, porque achamos que é o melhor para mim.

PCM: No ano passado, no Tour, perdeste muito tempo no contrarrelógio e nas etapas acidentadas do início da corrida. Na montanha, foste top 10 na corrida.

MB: Certamente não vamos fazer de mim uma especialista no contrarrelógio, mas o objetivo é melhorar para não perder tanto tempo na classificação geral. É um ponto a trabalhar e sabemos disso, mas o objetivo principal é a montanha, onde estou mais confortável. O trabalho no contrarrelógio também se faz com melhor material do que no ano passado e mais testes aerodinâmicos. Fiz um há três semanas, então também estamos a trabalhar nisso. Não só no treino e na potência, mas também em alguns detalhes que podemos ajustar na bicicleta.

PCM: A equipa é, no geral, muito jovem, mas também tem algumas ciclistas experientes. Duas delas são dois dos maiores nomes da história do ciclismo feminino – Marianne Vos e Pauline Ferrand-Prévot. Quão importante é a sua presença para jovens ciclistas como tu?

MB: É algo que não esperava na minha vida. Há 10 anos, vi a Pauline e pedi-lhe um autógrafo e uma fotografia, era fã dela. Agora, correr ao lado dela, é algo surreal e estou muito orgulhosa disso. Quero aproveitar cada momento com elas, são talentos tão grandes na bicicleta. A Marianne é muito inteligente e sabe melhor do que ninguém como ganhar corridas. É uma grande oportunidade para aprender, para melhorar ao lado dela, então estou mesmo focada nisso. Nós somos jovens e elas fizeram a história do desporto até agora. Sonho fazer o mesmo, ganhar as mesmas corridas e ser campeã do mundo como a Pauline.

PCM: No início do ano, a equipa disse que 2025 ia ser um ano de crescimento e de construir para o futuro. Quais são os teus objetivos para a temporada?

MB: Talvez seja muito dura comigo mesma e queira muito no meu primeiro ano com a equipa, mas isso também é porque gosto mesmo muito da equipa desde o princípio, desde o meu primeiro contacto. Usar esta camisola hoje é um sonho e sinto isso sempre que pego na bicicleta, então quero estar ao mais alto nível, mas não esse é o maior objetivo para este ano. Este primeiro ano é especialmente para aprender, para construir para os próximos. Não é segredo que queremos ganhar uma Grande Volta, mas no meu caso não é já e temos tempo. Se queremos fazer coisas maiores, isso começa com uma boa base. Estou muito confiante em todas as pessoas que tenho à minha volta, então este primeiro ano é para ver no que consigo melhorar e no que podemos trabalhar para o futuro.

PCM: Vais fazer alguma Grande Volta este ano?

MB: Em condições normais, vou fazer a Vuelta. Depois disso, ainda é muito cedo para dizer, não sabemos as seleções. É possível que também faça o Tour de France ou o Giro d’Italia.

PCM: Este ano ainda podes lutar pelo título sub-23 nos Campeonatos do Mundo.

MB: É verdade. Talvez seja demasiado ‘punchy’ para mim, mas quero muito ir a estes Campeonatos do Mundo. O objetivo não é necessariamente ser campeã do mundo este ano, mas participar na corrida, porque para mim é uma das mais importantes da época e ia ficar muito orgulhosa por representar o meu país.

PCM: Estás a aparecer num período de grande crescimento para o ciclismo feminino, talvez o melhor de sempre. Há alguma coisa que aches que ainda precisa de melhorar?

MB: Falei sobre isso com a Marianne [Vos] há uns dias, ela realmente participou e viu todo o desenvolvimento do ciclismo feminino. Acho que ainda podemos melhorar em termos de corridas, porque ainda não temos, por exemplo, o Paris-Nice ou o Critérium du Dauphiné, grandes corridas como essas. Acho que vai melhorar, este ano temos pela primeira vez a Milano-Sanremo, então acho que só temos de esperar, porque todas estas mudanças não podem acontecer num espaço de tempo tão curto. Estou certa que pessoas como a Marion Rousse trabalham muito para isso e sinto-me sortuda por ter pessoas a trabalhar assim por nós, para termos o ciclismo com que sonhamos.

PCM: A Milano-Sanremo é bastante empolgante, mas acho que o percurso devia ser mais longo.

MB: Concordo, porque a Sanremo é muito famosa por ser a corrida mais longa da época para os homens e quando vi o percurso fiquei um pouco dececionada com os quilómetros. Temos um limite nos regulamentos da UCI, mas podemos estar mais pertos dos 200 quilómetros nesta corrida. É uma vez na época e é uma corrida especial.

PCM: Ainda estás a estudar e a terminar o teu curso. Quão difícil é conciliar ser uma atleta de alta competição com os estudos? E como é que isso mudou agora que estás na Team Visma | Lease a Bike?

MB: Honestamente, agora não tenho tempo nenhum para estudar. Até ao ano passado, com a St Michel – Mavic – Auber93, ainda era possível, porque mesmo não indo à escola, tinha algum tempo em casa para estudar. Agora, com todo o treino longe de casa com a equipa, a bicicleta toma todo o meu tempo. Agora também é a oportunidade de estar 100% focada no ciclismo. Quero viver o momento, no presente, e não ter quaisquer arrependimentos por querer fazer tudo sem estar completamente focada numa coisa. O ciclismo é o meu sonho, então acho que tenho de aproveitar esta oportunidade. Mesmo que estejam em standby, posso sempre recuperar os estudos mais tarde.

Agradecemos a Marion Bunel e à Team Visma | Lease a Bike por nos terem concedido esta entrevista.

Foto de capa: Team Visma | Lease a Bike