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Volta à Flandres: Pogačar, o Canibal da era moderna

Domingo, 2 de abril de 2023. O dia em que testemunhamos história! O dia em que Tadej Pogačar fez o que se julgava impossível na era moderna do ciclismo, vencendo pela primeira vez De Ronde, a Volta à Flandres, e passando a repartir o banquete das lendas com Eddy Merckx (1969) e Louison Bobet (1955), os únicos que vencedores da Volta à França e da Volta à Flandres.

A corrida partiu cedo da pitoresca cidade de Bruges, e com o vento de costas nos primeiros quilómetros foi tarefa hercúlea alguém tentar estabelecer a fuga do dia. Por isso mesmo, a primeira hora da prova foi feita a uma velocidade relâmpago. E foi por esta altura que se deu o primeiro (de muitos!) momentos de entusiasmo no dia de hoje, quando a equipa Bahrain-Victorious tentou surpreender tudo e todos com a ajuda do vento. E conseguiram, já que alguns nomes importantes foram apanhados nos famosos abanicos, o maior dos quais Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck), que com a ajuda da sua equipa recolou quilómetros depois ao grande grupo.

E foi somente ao fim de duas horas de prova (feitas a uma média de 49,3 km/h) que o primeiro grupo de fugitivos conseguiu com êxito separar-se do pelotão: Guillaume Van Keirsbulck (Bingoal WB), Daan Hoole (Trek-Segafredo), Jasper De Buyst (Lotto-Dstny), Filippo Colombo (Q36.5) e Elmar Reinders (Jayco-AlUla), a quem se juntou mais tarde o campeão belga Tim Merlier (Soudal Quick-Step), Jonas Rutsch (EF Education-EasyPost) e Hugo Houle (Israel-Premier Tech). Com a fuga estabelecida, parecia finalmente que se poderia respirar fundo pela primeira vez na corrida, mas um movimento (muito) imprudente de Filip Maciejuk (Bahrain-Victorious) provocou uma queda massiva no pelotão, que atirou logo ali para fora da prova o principal escudeiro de Pogačar (UAE Team Emirates), Tim Wellens. Peter Sagan (TotalEnergies) também viria a abandonar momentos depois fruto da queda, naquela que era a sua despedida do pavê da Flandres. Wout van Aert (Jumbo-Visma), Julian Alaphilipe (Soudal Quick-Step), Mads Pedersen e Jasper Stuyven (ambos da Trek-Segafredo) também sentiram a dureza do asfalto, mas sem grandes consequências.

 Ainda sem se refazer da queda, o pelotão voltou a viver mais uma situação de frenesim, quando, numa jogada astuta e nunca antes vista da Team DSM, voltou a partir-se em pedaços. Mais uma vez, Van der Poel foi apanhado na armadilha, e teve se fazer mais uma recuperação.

Por esta altura, a corrida ia entrando no âmago da Ronde. A passagem pelo Molenberg registou mais um movimento que viria a marcar a história da prova, quando um grupo de nove ciclistas que incluía nomes interessantes como Nathan Van Hooydonck (Jumbo-Visma), Florian Vermeersch (Lotto Dstny), Pedersen, Matteo Trentin (UAE Team Emirates), Jhonatan Narvaez (INEOS Grenadiers), Kasper Asgreen (Soudal Quick-Step), Neilson Powless (EF Education-EasyPost), Fred Wright (Bahrain-Victorious) e Stefan Küng (Groupama-FDJ) lançaram um ataque prometedor.

A colaboração deste grupo intermédio foi irrepreensível, o que se refletiu na vantagem que quilómetro a quilómetro iam ganhando ao pelotão. A cerca de 80 quilómetros do final, a junção dois dois grupos escapados ditava agora um conjunto de 17 ciclistas na frente da corrida, com uma vantagem que fazia soar os alarmes atrás. De tal forma que na segunda passagem pelo Oude Kwaremont a corrida explodiu completamente. O culpado? Pogačar, muito ajudado por Rui Oliveira, que lançou uma ofensiva que mais ninguém acompanhou no imediato, nem mesmo Van Aert ou Van der Poel. Logo após o Paterberg, a vantagem ainda se cifrava em uma dezena de segundos, e o esloveno decidiu arrefecer os motores e esperar pelo duo, que nesta altura vinha acompanhado por Christophe Laporte (Jumbo-Visma) e Tom Pidcock (INEOS Grenadiers). O francês da Jumbo-Visma ainda colou em Pogačar, obrigando Van der Poel a perseguir, mas a junção foi feita pouco depois. No infernal Koppenberg, mais uma tentativa de Pogačar, que teve o condão de eliminar Laporte e Pidcock, e assim os três mosqueteiros ficaram finalmente sós na busca pela frente da corrida, que por esta altura rodava com 40 segundos de vantagem.

Com as subidas a encadearem-se, o Kruisberg foi determinante no desenrolar da corrida, já que na frente Pedersen partiu a solo, e atrás, Van Aert não conseguia acompanhar o ritmo forte imposto por Van der Poel. Os astros estavam a alinhar-se para a derradeira passagem pela combinação Oude Kwaremont-Paterberg, e já com o segundo grupo alcançado, foi a vez de Trentin dar tudo até à entrada da primeira subida das duas. Tal como se adivinhava, Pogačar dinamitou mais uma vez a corrida, naquela que viria a ser a movimentação decisiva. Sem que mais ninguém o conseguisse acompanhar (quem o tentava fazer mais de perto era Van der Poel), o esloveno passou direto por Pedersen e manteve uma frágil vantagem de 15 segundos para o Paterberg.

No final da última subida do dia, 12 segundos separavam Pogačar de Van der Poel, vantagem que foi aumentada nos quilómetros planos que separavam os últimos paralelepípedos da meta. Numa corrida que vai ser lembrada por anos, uma das corridas mais espetaculares da história moderna do ciclismo, num dia que entra para a história do desporto, Pogačar, múltiplo vencedor da Volta a França, conseguiu o que parecia impossível, e ao fim de 6:12:07 h registou o seu nome a ouro nas mais belas páginas da história do ciclismo. Van der Poel cruzaria a meta 16 segundos depois, e o bronze ficaria no peito de Perdersen, que teve forças para, ao sprint, tirar o lugar no pódio a Van Aert. Quanto aos portugueses, Rui Oliveira terminou na 58ª posição, a 11:23, e André Carvalho (Cofidis) abandonou fruto de queda.

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