O ex-ciclista da ABTF Betão – Feirense, atualmente no BTT, reflete sobre que leva os adeptos portugueses às estradas e defende melhorias na divulgação do calendário nacional.
Francisco Moreira tem 24 anos e já correu em equipas como a Radio Popular – Boavista, a Kelly / Simoldes / UDO e a ABTF Betão – Feirense, de onde saiu no último inverno para desenvolver um projeto pessoal na vertente do BTT, baseado na Serra da Estrela e em Manteigas, a sua terra.
Antes de partir para a Andalucía Bike Race, que está a correr nesta semana, Moreira viu a Figueira Champions Classic na televisão e identificou um contraste entre a ampla divulgação das corridas internacionais realizadas em Portugal – que apesar de serem Pro Series, contam com a presença de atletas de nível World Tour e como tal, são consideradas como World Tour para efeito de análise – e a falta dessa divulgação para as corridas do calendário nacional.
Considerando a sua visão do ciclismo, reforçada pela sua experiência enquanto corredor, convidámos Francisco Moreira a desenvolvê-la neste artigo de opinião.
Por ironia, este artigo precede o regresso do calendário nacional com a Clássica de Primavera, uma prova que vai para a estrada no domingo, mas que, sem divulgação, provavelmente estará a escapar aos olhares dos nossos leitores, mais interessados na estreia de Tadej Pogacar na temporada, ou no regresso de João Almeida no Paris-Nice. Então caro leitor, se não sabia que há ciclistmo português este fim-de-semana, agora já sabe e, mais do que isso, vai compreender o porquê de não saber, lendo as palavras de Francisco Moreira.
Nota: a opinião neste artigo vincula apenas o seu autor, Francisco Moreira, e não a Portuguese Cycling Magazine como entidade coletiva.
“Assistimos, nestes dias, a um apogeu de adeptos em duas provas ProSeries, mas com classe para World Tour, em Portugal. Então o que leva os adeptos portugueses para a estrada em corridas World Tour, que não leva em outras do calendário nacional?
Para começar, este não é um artigo de crítica – se for, que seja construtiva – mas de reflexão de um ex-ciclista profissional de estrada agora no BTT, que leva a bicicleta de forma séria. Um ciclista, quer seja profissional ou não, não passa de uma pessoa que gosta de andar de bicicleta e eu, felizmente, tive a sorte de poder fazer corridas ao mais alto nível, quer em Portugal quer pela Europa. Por muito que digam que o povo português gosta de ciclismo, mais de metade da população portuguesa não sabe quem é o João Almeida (já passou o tempo da fama do Joaquim Agostinho), isto porque Portugal não é o país do ciclismo, mas sim o país do fado, de Fátima e do futebol.
Nas corridas que fiz no estrangeiro, o público “bebe” ciclismo, vibra à beira da estrada, trata os ciclistas pelo nome, procura os seus ídolos. Como podemos ter ciclistas portugueses, que correm em Portugal, como ídolos se ninguém os conhece? Comecemos pela escola, num exemplo simples: todos nós fizemos aquela coleção de cromos de futebol, dos nossos ídolos. Alguma vez vimos alguma coleção de ciclismo? Em Portugal não, mas lá fora acontece.
Nos dias de hoje, tudo se resume a redes sociais e media, marketing e divulgação. Podemos não ser os melhores, mas se trabalharmos bem nas redes socais todos nos conhecem. Corridas como a Volta ao Algarve e a recente Figueira Champions Classic trazem para a estrada, e para junto dos ciclistas, fãs não só para contactar com as estrelas do ciclismo internacional, mas porque sabem que esse ciclismo está a acontecer! Houve divulgação e publicidade, quer em anúncios televisivos e outdoors, quer em posters nos cafés.
Por outro lado, que divulgação têm as corridas em Portugal? Tirando os pais dos atletas, muita gente nem sabem que há corridas. Falta divulgação, falta uma melhor estrutura de organização e publicidade, com impacto nos meios de comunicação social, e uma cobertura mais positiva. Nas corridas World Tour, há divulgação do evento nas redes sociais, nos noticiários, publicidade televisiva e rádio, o que não se vê em provas do nosso calendário nacional.
Para a Figueira, nas redes sociais foi criada uma página do evento, na zona de Coimbra havia outdoors, o evento foi divulgado como se fosse o Campeonato de Mundo… e bem! No dia seguinte, no noticiário da manhã, há um breve resumo da chegada, com entrevistas. Em que outra corrida em Portugal, com exceção das que referi, isso acontece?
Infelizmente, o resto das corridas não são divulgadas desta maneira. Chego à conclusão que, atualmente, um granfondo acaba por ter mais mediatismo que uma corrida nacional. Às vezes, nem mesmo a Federação coloca o comunicado e as classificações atempadamente, levando horas ou até dias a coloca-los, em corridas que tutelam. Em grande parte das corridas do calendário nacional de estrada, vemos apenas uns pórticos colocados horas antes dos eventos, as metas volantes chegam a ser um risco no chão e um comissário com um bloco de notas ou com um telemóvel pessoal; os prémios são quase inexistentes e quando existem, podem levar meses a serem pagos.
Isto para dizer que os fãs gostam de ir para a estrada, quando há uma estrutura e uma divulgação que sejam cativantes. Claro que os ciclistas World Tour são um chamariz, mas quem é que desses fãs, que aplaudem os ciclistas World Tour, conhece Luís Gomes, César Fonte, Frederico Figueiredo ou António Carvalho? Até há bem pouco tempo, nem o João Almeida conheciam, ou até mesmo o Rui Costa ou o Tiago Ferreira, ex-campeões do mundo.
O mediatismo que foi criado à volta da Figueira Champions Classic, ou que é criado na Volta ou Algarve e na Volta a Portugal é completamente diferente daquele criado à volta da Clássica da Primavera, por exemplo. Porque, por exemplo, o Grande Prémio Jornal de Notícias é publicitado no Jornal com bastante antecedência, e as pessoas até aderem e as estradas estão cheias de gente. Só prova que a divulgação certa, no tempo certo, é uma mais-valia para os atletas, equipas e retorno dos patrocinadores, privados e até mesmo de entidades públicas, como é o caso das autarquias e outras entidades promotores do território. As pessoas sabem, deslocam-se e ajudam a economia de cada região onde se realizam as provas.
Depois, há ainda o outro lado da questão. Os próprios ciclistas portugueses e equipas também não se mostram nem se publicitam, com a exceção de um ou outro que também acaba por dar realce à equipa e aos patrocinadores. Não é uma questão de narcisismo, trata-se de ajudar na divulgação da modalidade. As equipas não têm ninguém que lhes trate da imagem, com honrosas exceções. Eu próprio fui obrigado a ‘arregaçar as mangas’ e divulgar, nas redes sociais, o o meu novo projeto. Sei que é difícil dividir o tempo entre os treinos, a divulgação e os comunicados de imprensa. Mas são os dias em que vivemos.
Continuamos a não levar muito a sério a modalidade em Portugal, a começar pela divulgação. Acredito que a aposta tenha de passar por transmissões televisivas e divulgação de corridas; não chegam os resumos, quando os há, ao sábado à tarde. Bem que alguns sites da especialidade tentam substituir a máquina das televisões e do serviço público. É um esforço meritório que precisa de ser reconhecido. A estrutura de divulgação tem de levar, de novo, a uma cativação dos fãs que os leve a sair de casa, com zonas espetáculo que permitam um contacto mais direto com os atletas ou minicaravana publicitária como exemplos. O retorno seria maior. De outra forma, os adeptos continuarão a ser menos, com o que isso implica para a modalidade, que não pode evoluir sem chegar a mais pessoas. Num século que já virou a página, também o ciclismo em Portugal precisa de se reinventar e ser levado a todos os que o querem seguir e praticar.”
Agradecemos a Francisco Moreira a disponibilidade para abordar a questão da divulgação do ciclismo português, dando a sua opinião neste artigo.