O ex-Cofidis sobre a preparação de um monumento, as sensações de correr na Flandres e em Roubaix, e a aposta que Portugal pode fazer nestas provas.
André Carvalho tem 26 anos, e depois de três épocas no World Tour, ao serviço da Cofidis, regressou a Portugal para representar a Sabgal / Anicolor. No pelotão nacional, conta com uma experiência de vida singular, na medida que já participou na Volta à Flandres e no Paris-Roubaix, os dois monumentos que serão corridos neste e no domingo seguinte, por duas vezes cada um.
Na véspera do primeiro desses monumentos, a Portuguese Cycling Magazine convidou André Carvalho para partilhar a sua valiosa experiência e assim, fazer a sua antevisão orientado pelas nossas questões.
Na Cofidis, foste um corredor de clássicas. Quais eram as razões para correres estas provas?
Na altura, quando me juntei à equipa, viram desde logo nos testes que fiz que tinha números de um corredor desse tipo de corridas, e sendo que sempre foram as corridas que eu mais gostava, e aquelas em que também tive bons resultados enquanto sub-23, foi algo que acabou por acontecer muito naturalmente.
Dos ciclistas, aos mecânicos, ao restante staff, como é que se prepara uma prova com mais de 250 quilómetors, como são os monumentos?
Tudo começa nos largos meses de preparação em casa e nos estágios de equipa para se estar na melhor forma física possível. Depois, por norma, seguem-se os reconhecimentos dos percursos das provas que cada ciclista vai fazer. Nos reconhecimentos acaba-se por fazer testes à pressão e até ao tamanho (em milímetros) dos pneus que cada ciclista irá utilizar em prova. Podem-se, em alguns casos, também testar os andamentos mais adequados.
Nas provas em si, e falando do staff em geral, são dias de grande luta. Há que ter tudo preparado ao mínimo detalhe para não falhar nada: os locais onde cada um tem que estar, os abastecimentos, os bidões, as rodas/bicicletas suplentes em pontos estratégicos.
O que sentiste antes, durante e depois do teu primeiro monumento, que foi Volta à Flandres de 2021?
Muito honestamente, estava bastante calmo. Fui convocado à última da hora, por infortúnio de um colega de equipa que ficou doente, portanto não tive muito tempo para pensar (risos). No final, fiquei bastante contente por ter terminado o meu primeiro monumento, ainda que bastante cansado pela exigência e dureza de uma corrida como a Volta à Flandres.
Na Volta à Flandres, o posicionamento através do conhecimento do percurso é chave. Para um ciclista se posicionar bem, é mais importante a sua força ou a força da equipa?
Se fores um Pogačar, um Mathieu Van Der Poel, um Wout Van Aert, ou um Mads Pedersen, ainda que gastes energia que possa depois fazer falta, seguramente podes-te posicionar bem sem a tua equipa (risos). Mas a força de uma equipa unida será sempre superior a um ciclista que não tenha esse mesmo apoio, e isso aliado ao conhecimento do percurso pode ser bastante benéfico.
No Paris-Roubaix, a entrada nos setores marca o início do ‘caos’. Não sendo muitas vezes evidente visto de fora, como é esse caos visto de dentro?
A palavra correta para descrever a entrada nos setores é exatamente essa: um caos! É como se houvesse uma linha de chegada em cada setor, e então todos querem estar na frente porque todos sabem que atrás é onde existe o maior perigo de quedas e de cortes no pelotão, por exemplo.
Qual é a sensação de entrar no Velódromo de Roubaix, após uma corrida tão dura?
É bastante satisfatório, e acima de tudo uma sensação de alívio depois de tantos quilómetros de sofrimento.
Qual é a diferença entre o ‘Hellingen’ da Flandres e os setores a caminho de Roubaix?
Os setores da Flandres, na sua maioria, são mais duros pelas subidas em pavê, mas os pavês do Roubaix são realmente brutais no mau sentido da palavra. Tens que estar bem preparado fisicamente, mas tens que estar igualmente preparado mentalmente.
Dos muitos pontos emblemáticos destes percursos, qual foi o que mais gostaste de atravessar?
O Oude Kwaremont na Flandres, para além de ser o mais duro, é para os ciclistas – e de forma mais pessoal – um setor arrepiante pela quantidade de adeptos que tem na beira da ‘estrada’ a ver a corrida. No Roubaix, pelas mesmas razões, o setor que mais me fica na memória é a floresta de Arenberg.
Ao longo dos anos, quais foram as maiores lições que aprendeste nestas duas provas?
Especialmente aprendi que, por muito bem preparados que estejamos, é preciso sempre ter a ‘estrelinha da sorte’. Estar no sítio certo à hora certa pode ser um fator que te faz ganhar ou perder a corrida; aprender a guardar energia onde tens que guardar, e gastar onde tens que gastar.
Portugal parece ter cada vez mais corredores para estas provas. Há algum fator que tenha permitido o aparecimento destes ciclistas? É possível realizar provas deste tipo em Portugal?
Não vejo uma razão específica para aparecerem mais ciclistas portugueses com características de clássicas. Penso que é algo muito pessoal, ou tens ou não tens. Podemos ver o exemplo do António [Morgado]… ele diz que não gosta dos pavês, mas a verdade que vês a fisionomia dele e apercebes-te de que ele realmente poderá ser um corredor bastante bom nesse tipo de corridas. Penso que Portugal tem capacidade para fazer um pouco de tudo, basta que haja esse interesse.
Por último, quais são as tuas previsões para a Volta à Flandres e o Paris-Roubaix?
Penso que a queda na Dwars Door Vlandereen vai mudar principalmente a Flandres, pois os ciclistas envolvidos na queda terão menos tempo de recuperação da mesma. Pessoalmente, acho que o Mathieu Van Der Poel é o maior favorito e que o Matteo Jorgenson poderá surpreender. Quanto ao Roubaix, poderá ser uma corrida mais aberta. Mas a minha ‘aposta’ será o Jasper Philipsen e arrisco-me a dizer que o Jonathan Milan será uma grande surpresa.
Agradecemos a André Carvalho a disponibilidade para antever connosco a Volta à Flandres e o Paris-Roubaix, e desejamos-lhes boa sorte nos próximos desafios!
Fotos de Capa: Matias Novo / Cofidis