Urška Žigart (também conhecida como “namorada de Tadej Pogačar“, em certos órgãos de comunicação social) tem 26 anos e corre pela Team Jayco AlUla. Como destaques de carreira, tem uma vitória na Setmana Ciclista Valenciana e alguns top-10 em provas de uma semana, além de se ter sagrado recentemente campeã nacional de contrarrelógio do seu país, a Eslovénia, pela terceira vez.
Como parte da nossa antevisão do Tour de France 2023, a Portuguese Cycling Magazine teve oportunidade de entrevistar Urška Žigart. A 3 dias do início do Tour, vem descobrir mais sobre Urška Žigart, a sua carreira no ciclismo e o seu maior apoio, Tadej Pogačar!
Urška Žigart na sua vida e carreira
Como começaste no ciclismo? Houve alguém que te tenha influenciado?
Comecei a andar de bicicleta quando tinha 17/18 anos. Os meus pais compraram-me uma bicicleta de estrada e no início, não conhecia ninguém, então não tinha realmente uma influência no ciclismo, apenas gostava de andar de bicicleta e até dentro de casa, em bicicletas de exercício. Então, a minha mãe ligou para a única equipa UCI que tínhamos e ainda temos na Eslovénia, a BTC City Ljubljana. Juntei-me a eles num treino e entrei na equipa. Tive sorte e tem sido uma aprendizagem desde aí, mas é algo bom.
Ao contrário das histórias de origem da maior parte dos ciclistas, Urška Žigart cresceu sem grandes referências no desporto e foi-nas descobrindo à medida que desenvolveu o seu gosto pela bicicleta. Assim, a aprendizagem continua sempre e no seu caso, estava apenas a começar, quando a Team Bike Exchange lhe deu a oportunidade de competir no World Tour.
Como se deu a entrada na Team Bike Exchange (atual Team Jayco AlUla)? Como é a estrutura?
Nessa altura, toda a estrutura da Greenedge Cycling era uma das melhores do ciclismo moderno. Para mim, sempre foi um sonho entrar numa equipa como essa, e quando eles ficaram realmente interessados em mim, fiquei muito feliz. Foi um pouco um choque entrar numa equipa destas e ver como tudo funciona, mas também foi incrível ver toda a organização e tudo o que vem com ela, o apoio dos atletas e a estrutura à volta. É um sonho estar nesta equipa!
A chegada ao World Tour e a uma grande equipa é o sonho de qualquer atleta, mas além de uma grande felicidade, o sonho traz também muitos desafios.
Como foi a tua adaptação ao World Tour?
No ano anterior, quando eu estava na BTC Ljubljana, já era uma equipa do World Tour, mas esse foi o primeiro ano em que o World Tour [feminino] foi implementado. E com o COVID nesse ano, não tivemos tantas corridas e não consegui ver realmente a mudança que é tornar-me numa ciclista World Tour. Comparando com a situação, de antes e provavelmente de agora, em que estão algumas raparigas nas equipas continentais, é uma grande diferença, mas é bom que o ciclismo feminino esteja a avançar, para que o desporto se desenvolva. Há uma grande diferença entre as equipas do World Tour e as continentais, porque se não consegues fazer algo a 100% e não te sentes totalmente apoiada, não podes ser a melhor. Então é claro que existem grandes diferenças entre o quão fortes são as raparigas no World Tour e o quão fortes são as raparigas nas equipes continentais, mas acho que essa diferença começará lentamente a diminuir com o passar dos anos, e isso tornará [o desporto] realmente competitivo.
O ciclismo feminino mudou muito em apenas 3 anos, particularmente em termos do seu mediatismo e projeção. O fosso entre as equipas profissionais e continentais mantém-se, como também acontece no ciclismo masculino, mas Urška Žigart mostra-se otimista perante a redução das desigualdades a longo prazo. Voltando à sua vida pessoal…
A tua bio de Instagram diz que és uma “estudante de Direito muito lenta”. Como concilias os estudos com o ciclismo profissional?
Talvez tenha de retirar isso da bio, porque coloquei [os estudos] em pausa (risos). Quando assinei com a Bike Exchange no início de 2021, resolvi fazer uma pequena pausa, porque é simplesmente impossível estar presente a 100% em tudo, principalmente se queres ter tempo para a família, os amigos e tudo mais. Lembro-me que, antes do Covid, tinha todo o planeamento das corridas e dos treinos, mais o planeamento das viagens à Eslovénia só para fazer os exames; era meio impossível.
Conciliar os estudos com uma carreira profissional é impossível mesmo para as melhores do mundo e neste sentido, Urška Žigart mostra-se solidária para com todos os trabalhadores-estudantes que, no seu dia-a-dia, enfrentam as mesmas dificuldades por que ela passou. Mas nem mesmo o impossível escapa à mentalidade competitiva de Žigart:
Quando deixar de pedalar, gostaria de voltar aos estudos. Mas [entre] continuar na advocacia ou começar algo novo, depende de como me estiver a sentir no momento […]. Talvez agora, com tudo online, possa funcionar, mas como já disse, se queres ser a melhor numa coisa, precisas de dar 100% de ti para essa coisa, não faz sentido fazer coisas pela metade.
Como viveste a tua vitória na Setmana Ciclista Valenciana?
No momento, é difícil descrever a sensação: cruzas a linha de chegada, todo a gente está à tua espera, és a primeira a chegar e [para mim] demorou um pouco a ajustar-me. Olhando para trás, estava feliz e toda a equipa estava feliz. [As vitórias] não acontecem com frequência, desde aí que não ganho a nível internacional, então talvez tivesse ficado ainda mais feliz se soubesse que é tão raro. Mas é claro, estou sempre a trabalhar para a próxima, todos nós estamos. O sonho de toda a gente é cruzar a linha de chegada primeiro [e comigo] foi um pequeno sonho que se tornou realidade.
Até à data, a vitória na 4ª etapa da Setmana Ciclista Valenciana de 2019 é a única de Urška Žigart fora da Eslovénia. Venceu, dessa feita, em fuga, tendo sido quase alcançada pelo pelotão. Recentemente, no Tour de Suisse, voltou a estar perto de ganhar, novamente em fuga, porém a história não se repetiu e ela acabou por ser mesmo alcançada na reta da meta. Não obstante, Žigart já estará seguramente a “trabalhar para a próxima” e quão incrível seria ela vir neste mês de julho, no seu grande objetivo da temporada: o Tour de France Femmes!
O que podes dizer sobre o Tour de France deste ano? Qual é a sensação de participar nesta corrida?
Eu estive na apresentação e fiquei um pouco surpreendida e desapontada, pensava que ia ter mais montanha. No papel não parece [uma corrida] tão difícil, mas acho que nós [o pelotão feminino] vamos torná-la muito difícil. Lembro-me do Tour do ano passado e foi todo um nível diferente, cada dia muito duro. Acho que este ano, com tantas etapas para rolar, uma equipa pode tornar a corrida difícil onde quiser. Vai ser difícil, mesmo que haja apenas uma etapa de montanha.
Trepadora por excelência, foi com naturalidade que Urška Žigart reagiu à pouca montanha da edição de 2023 do Tour de France Femmes, que começa no dia 27 de julho, ao mesmo tempo que está previsto ao seu noivo, Tadej Pogačar, alcançar Paris após 21 etapas. Falando dele…
Urška Žigart com o noivo (Tadej Pogačar)
Como conheceste o Tadej Pogačar? Soubeste logo que ele era especial, pessoal e desportivamente?
Conhecemo-nos num campo de treinos, porque estávamos na mesma equipa. A BTC City Ljubljana também tem uma equipa masculina, que agora se chama Ljubljana Gusto Santic, e fizemos um estágio juntos na Croácia, no inverno. Fizemos um treino juntos, com sprints, aceleração, algumas coisas, e foi a primeira vez que nos encontrámos. Mas na primeira impressão, eu estava a sofrer [em cima da bicicleta] e não sabia nem quem ele era, nem até onde ele poderia chegar, ninguém sabia! Ele é mais novo do que eu, na altura era tímido e muito jovem, então a minha opinião sobre ele era um pouco diferente de agora. Mas quando o conheci mesmo, foi diferente.
As primeiras impressões são importates, mas não são tudo. Urška conheceu Tadej quando eram ambos jovens, sem fazerem ideia do seu potencial, e o tempo tratou de aproximá-los, ao ponto de entrarem numa relação. Seguiu-se a decisão de irem morar juntos no estrangeiro.
Em 2019, já numa relação, tu e ele mudaram-se para o Mónaco. Como tomaram essa decisão? E como te adaptaste à vida longe de casa?
Mudamo-nos no final de 2019, mesmo antes do Covid. Eu já tinha morado fora de casa antes, para estudar, então estava habituada a não estar sempre em casa. Agora, claro que estar a mil quilómetros de distância [de casa] é um pouco diferente, [ao iníico] falava com a minha mãe e o meu pai todos os dias ao telefone. Mas esse é o ciclo da vida, em algum momento tens que voar para fora do teu ninho e tornares-te na tua própria pessoa. Mas claro, eu ainda ligo para meu pai quase todos os dias e ele vem-me visitar muitas vezes. Habituámo-nos à vida com bastante facilidade, aqui temos muita tranquilidade, é só treinar, descansar, recuperar e no dia seguinte, repetir, e gostamos assim.
Desde a mudança para o Mónaco que Žigart e Pogačar permanecem por lá, com a mesma rotina que lhes traz felicidade. O seu apartmento não vive à altura das extravagâncias que associamos pequeno principado rodeado por território francês, o que prova que o conforto depende da companhia.
Como viveste a ‘remontada’ do Tour de France 2020?
Eu não estava lá, tinha a minha própria corrida, estava no Giro Rosa. Então assisti apenas no meu telemóvel, com pouca rede no sul da Itália. Foi muito stressante, porque não conseguia perceber o que estava a acontecer! Agora, olhando para trás, foi um choque [para mim] como para toda a gente, mas eu não consigo dizer que emoções estava a sentir [no momento], porque estava confusa sobre tudo. Eu ia para Paris de qualquer maneira, ele tinha a camisa branca, logo estava preparada para ir ver essa que já seria uma grande conquista. Quando ele mudou para amarelo, foi especial!
A reação de Urška Žigart àquele que pode ser considerado como o feito ‘mais espetacular’ da carreira de Tadej Pogačar é a mesma de toda a gente: total perplexidade (com a ajuda de uma stream com falhas). Esse momento mudou as suas vidas para sempre e “ir para Paris” no final de julho, com lugar no pódio final, tornou-se parte do calendário anual.
Ao que consta, o Tadej Pogačar também se emocionou com a tua vitória na Comunidade Valenciana. De modo geral, que apoio recebes dele, na tua carreira, e que apoio lhe dás?
Damos o apoio normal que todos os parceiros dão. Não importa se é no ciclismo ou noutro desporto, ou mesmo nos estudos ou no trabalho normal, podemos dizer desta forma: estar ao lado um do outro. Quando ganhas, tens muitas pessoas ao teu redor, mas quando as coisas dão errado, é importante ter alguém lá. Por isso, apenas acreditamos um no outro e tentamos estar lá um para o outro.
Mais importante do que comemorar os sucessos do parceiro, é estar presente nos momentos menos bons e até mesmo nas ‘quase-vitórias’. Neste contexto, surge também o desafio de manter esses momentos privados. Ainda assim, desáfiamos Urška Žigart a contar uma história sua com Tadej Pogačar, de um momento de felicidade, que nunca tivesse revelado e que, ao mesmo tempo, o pudesse fazer.
Por último, tens alguma história do Tadej Pogačar que até agora ninguém saiba?
Já falámos do campo de treinos [onde conheci o Tadej]. É engraçado que todas as noites jogávamos matraquilhos e, na noite depois daquele treino onde nos conhecemos, chegámos ao hotel e havia um cheiro fortíssimo a desodorizante. Então acalmei-me e perguntei ‘rapazes, quem exagerou no desodorizante?’. Aí os nossos colegas começaram a gozar com o Tadej, porque ele provavelmente disse-lhes que gostou de mim, e ele já estava todo vermelho. No fim nem sequer era ele [com o desodorizante], era outra pessoa! Eles apenas riram-se um pouco à custa dele.
Agradecemos a Urška Žigart, à Team Jayco AlUla e também a Tadej Pogačar (que aceitou aparecer um pouco na chamada Zoom, para nos dizer olá), as suas disponibilidades para conversar connosco e aguardamos com expetativa os seus percursos nos Tour de France que os esperam!