Se houvesse uma palavra para descrever Marc Soler, ciclista de 29 anos da UAE Team Emirates, essa palavra é irreverência. A sua forma de correr, com ganas que parecem nunca sacear, apaixona tantos adeptos quanto enerva outros, por vezes em simultâneo, mas certo é que não passa despercebida a ninguém. A Portuguese Cycling Magazine apresenta a entrevista exclusiva de Marc Soler, atual 2º classificado da Vuelta a España.
Marc Soler trilhou um percurso notável ao longo de toda a sua carreira. Nascido na Catalunha, em Espanha, começou a pedalar nas estradas da sua terra-natal com um sonho claro: tornar-se um ciclista de classe mundial. Com uma determinação e um talento especiais – confirmados pela vitória no Tour de l’Avenir (Volta à França do Futuro) em 2015 – captou a atenção do mundo de ciclismo, chegando à Movistar Team.
Foi na equipa-referência do seu país que Soler começou a tornar-se conhecido dos adeptos de ciclismo, por inúmeros episódios marcantes tanto a nível de resultados como de atitude. No primeiro domínio, destaca-se claramente a conquista do Paris-Nice em 2018, depois de um solo monumental, por meio de frio e chuva intensos, à Alberto Contador, seu compatriota que tanto espetáculo dava nessa mesma prova. No segundo domínio, é incontornável aquela etapa da Vuelta, também fria e chuvosa, em Andorra, onde não conseguiu conter a frurstração quando recebeu ordem para aguardar por Nairo Quintana, seu companheiro de equipa, enquanto seguia isolado na frente da corrida.
A Vuelta a España é, assim, um lugar especial para Marc Soler, que conquistou aqui as suas únicas vitórias em grandes voltas: a primeira em 2020 e a segunda em 2022, já ao serviço da UAE Team Emirates. Estes triunfos foram obtidas precisamente pela insistência, mesmo quando as dificuldades se lhe impunham. E apesar de a carreira de Soler não o ter projetado para os patamares que se esperavam dele enquanto jovem, os seus traços de personalidade permaneceram os mesmos e já em 2023, estão-lhe a valer o 2º lugar da classificação geral, após entrada numa fuga com o atual líder, Sepp Kuss.
O bom momento atual de Marc Soler é inegável, mas a temporada tem sido de altos e baixos:
Estou contente com a minha temporada depois da lesão que tive na mão. Estive parado bastante tempo e o Tour foi a minha primeira corrida depois dessa lesão. A verdade é que agora, na Vuelta, as coisas estão a correr muito bem.
Marc Soler
Em julho, Marc Soler voltou a ter destaque. Quando Tadej Pogačar viveu a sua ‘hora mais negra’, o ciclista espanhol manteve-se sempre do seu lado, dando ao seu líder um forte apoio não só na estrada, como também na moral. Esta capacidade de Soler faz dele um ativo valioso para João Almeida e Juan Ayuso agora na Vuelta, mas primeiro, foi necessário recuperar a forma após o Tour. Como foi a preparação?
Primeiro fiz bastante altitude antes do Tour. Depois estive a treinar em casa, em Andorra. Fiz um treino normal, nada de muito específico, só fazer subidas longas.
Marc Soler
Barcelona foi a cidade escolhida para o grande início da Vuelta 2023, e a prova percorreu a região de Soler durante as 3 primeiras etapas. Nem as condições climatéricas adversas minimizaram o significado desta partida para o ciclista catalão:
É um sonho especial. Não foram as melhores condições e foi uma pena, pelos casos da chuva e da iluminação, mas fiquei muito contente por partir de casa, com toda a família e os amigos perto de mim.
Marc Soler
Apesar de ter apenas 29 anos, e todos termos sensação de que a sua vitória no Tour de l’Avenir é recente, Marc Soler é o atleta mais velho da UAE Team Emirates nesta Vuelta. Porém, nunca é demasiado tarde para aprender com outros pontos de vista, nem nunca é demasiado cedo para partilhar o nosso:
Sou o mais velho, mas todos somos uma equipa muito jovem. Tenho algo mais, corri mais grandes voltas, mas todos temos experiência e cada um dá o seu ponto de vista. Não é por eu ser o mais velho que sei mais, ou o contrário. No final, aprende-se sempre, mesmo que sejas um pouco mais velho.
Marc Soler
Como é evidente, a idade não se traduz em liderança e a UAE Team Emirates está na luta pelo pódio da Vuelta com dois ciclistas jovens – Almeida com 25 anos, Ayuso com 20. Em termos estratégicos, na perspetiva de Soler, uma liderança repartida tem as suas vantagens e inconvenientes:
Ter dois líderes dá mais oportunidades e é mais tranquilo, porque se um deles falha em algum momento, está lá o outro. Mas, por vezes, é mais complicado. Na etapa 9 [chegada a Caravaca de la Cruz], quando houve vento, foi necessário colocar dois líderes e estar sempre atento às suas posições.
Marc Soler
João e Juan, os líderes da UAE Team Emirates. Quem são eles e como Soler os perceciona?
O João Almeida é um corredor mais tranquilo, não tão impulsivo como o Juan, gosta mais de ir ao seu ritmo. O Juan é um corredor que gosta de ser agressivo, na hora de se mostrar na estrada.
Marc Soler
O que não constava nesta equação de duas variáveis era a excelente posição de Marc Soler na classificação geral, que se deve à entrada numa fuga numerosa ao 4ª dia de competição. Nesse dia, o espanhol afirmou o seguinte:
Entrei na fuga com a ideia de patrulhar a frente e depois descair para ajudar o Juan [Ayuso] atrás, se fosse preciso. Não tive pernas para ir à etapa, mas o mais importante é que o Juan chegou perto dos principais rivais.
Marc Soler
Apesar do 2º lugar, que conseguiu defender com distinção no contrarrelógio individual de ontem, o papel de Soler não mudou assim tanto, apenas a natureza da corrida:
A ideia é estar sempre perto dos líderes, mas se no Tour temos de estar sempre ao lado do Tadej [Pogačar], na Vuelta temos um pouco mais de liberdade na hora de puder entrar em fugas, como já consegui fazer, e estar agora bem colocado na geral.
Marc Soler
A estratégia parece estar definida e o 2º lugar de Marc Soler promete funcionar em prol de Almeida e Ayuso. Então, será que eles partilham essa crença?
O 2º lugar do Soler não foi planeado, mas sabíamos que ele estava numa boa forma. Foi então que surgiu a oportunidade de ele ir para a fuga, acompanhando o Sepp Kuss, e chegar aos primeiros lugares da geral. Vamos ver quão longe ele consegue ir. O Kuss é quem nos preocupa mais, temos muito tempo para recuperar para ele e não vai ser fácil. Vamos ver como correr, principalmente nas etapas mais duras.
João Almeida
O Soler é um boa opção para a equipa, principalmente na semana final. A Jumbo-Visma tem o Sepp Kuss e nós temos mais um corredor para a geral, coisa que o Remco Evenepoel não tem. De certeza que vamos poder jogar taticamente com essa diferença. Espero que o Soler se mantenha na frente. Nas etapas mais duras, o mais provável é que não se foquem nele e se foquem mais em mim e no João Almeida. Se o Soler se mantiver, podemos colocar pressão nas outras equipas.
Juan Ayuso
A prudência decorre da responsabilidade em lutar por um bom resultado, mas Marc Soler acredita no equilíbrio de forças entre os principais favoritos, o que abre à UAE Team Emirates a possibilidade de alcançar um bom resultado nesta Vuelta.
Ainda faltam 2 semanas para o final da Vuelta a España e a emocionante luta pela camisola vermelha está apenas a aquecer. Fiquem desse lado e acompanhem tudo sobre a Vuelta a España no site e nas redes sociais da Portuguese Cycling Magazine!
