Bruno Araújo tem 25 anos e representa a equipa BAI – Sicasal – Petro de Luanda. Correndo entre Angola (seu país de origem) e Portugal, pode ser facilmente reconhecido em cima da bicicleta pela camisola de campeão do seu país, que enverga desde 2019 consecutivamente.
Por esta altura, no ano passado, Bruno Araújo enviou-nos, via Instagram, materiais multimédia sobre os campeonatos angolanos de ciclismo, com o objetivo de divulgarmos a prova que ele havia acabado de vencer pela 4ª vez. Foi com o sentido de maravilha de quem contaca, pela primeira vez, com uma nova realidade que assim fizémos:
Este ano, partiu da Portuguese Cycling Magazine a iniciativa de convidar Bruno Araújo para uma entrevista, para que ele nos pudesse dar a conhecer (e aos fãs portugueses de ciclismo) a realidade à qual ele próprio nos introduziu, fechando assim o ciclo iniciado há um ano. Vamos então saber mais sobre Bruno Araújo e o ciclismo angolano!
Como classificas a tua época até ao momento?
Está a ser uma época bem mais difícil que as anteriores, estou com uma equipa de muitos jovens cá em Angola – somos apenas 3 elites, o resto é tudo sub-23 e Júnior – mas temos gerido bem as competições, tenho subido sempre ao pódio. Ainda não consegui vencer uma prova este ano, mas considero uma época 100% positiva e muito competitiva.
A época de Bruno Araújo começou no GP Cidade de Luanda, em janeiro, tendo obtido o 2º lugar nessa clássica. Em março, deslocou-se a Portugal com a BAI – Sicasal – Petro de Luanda para correr a Clássica da Arrábida e a Volta ao Alentejo, tendo depois voltado a Angola para ser 3º classificado no GP Unitel, prova de dois dias. Seguiu-se uma passagem pelo GP Beiras e Serra da Estrela, outra vez em Portugal, e novamente de volta ao país de origem para iniciar (com mais provas pelo meio, caso do GP Malária) a preparação dos campeonatos nacionais, um momento sempre muito especial.
O que significam para ti os campeonatos nacionais angolanos? E usar a camisola de campeão nacional?
Têm um significado muito, mas muito forte, porque é o sonho de todos os atletas vestirem a camisola de campeão nacional do seu país e poder mostrar ao mundo a linda bandeira do seu país. Mas é muito difícil, porque a partir do momento em que vestes essa camisola, tornas-te um ‘alvo a abater’ e está a ser assim comigo nas competições cá em Angola. Mas continuo a vesti-la com muito orgulho e espero não deixar de a vestir tão cedo, porque já são 4 anos com ela!
A camisola de campeão nacional angolano, que Bruno Araújo já enverga há 4 anos, é tanto um orgulho como um peso para ele. Por um lado, tem-lhe dado a oportunidade de representar o seu país longe de casa, em provas internacionais na Europa, por outro lado, dificulta-lhe as suas corridas em casa, pois é considerado por todos, incluindo adversários, como o principal favorito à vitória em todas as corridas que participa. Naturalmente, o orgulho pesa mais.
Que diferenças existem entre as provas em Angola e em Portugal?
Existe uma grande diferença. O ciclismo português está num nível muito superior, as equipas portuguesas têm um investimento super alto e os atletas são 100% profissionais. Já em Angola é tudo mais difícil, não temos tantos apoios e além disso, muitos ciclistas são obrigados a trabalhar para se sustentarem. No meu caso, para além de fazer ciclismo, trabalho num banco e estou a finalizar o ensino superior. Apenas tenho tempo para treinar no período da noite, que cá em Angola é muito arriscado, por causa dos assaltos e as ruas serem muito escuras, então sou obrigado a treinar apenas numa zona – a marginal de Luanda – porque é o sítio mais seguro para seguir com a minha preparação.
A diferença entre os ciclismos angolano e português é evidente, sobretudo ao nível das condições oferecidas aos corredores. Enquanto em Portugal o profissionalismo se começa a generalizar, em Angola os praticantes da modalidade continuam a ter de levar uma autêntica “vida dupla”: de dia, estudam como Peter Parker, ou trabalham como Clark Kent, de noite, vestem os fatos de Homem-Aranha ou Super-Homem para enfrentar os perigos da escuridão e assim, prosseguirem o seu sonho. Contudo, alguns desenvolvimentos recentes transmitem sinais mais positivos para o futuro:
Em relação à organização de provas, felizmente demos um grande pulo. Hoje temos 2 empresas em Angola que organizam eventos desportivos – A PROFI Sports e a TCHACO Sports – e não ficam muito atrás dos eventos organizados em Portugal – perdendo apenas para a Volta a Portugal, que está num nível muito acima – e no resto do mundo.
O trabalho destas duas empresas organizadoras de eventos (especificamente, a TCHACO Sports é responsável por organizar os campeonatos nacionais angolanos) é amplamente elogiado por Araújo e pode muito bem ser o primeiro “pulo” de que o ciclismo angolano precisa para passar da noite para o dia.
Como vai ser correr os campeonatos nacionais no momento que atravessas na tua vida pessoal?
Não será nada fácil. No passado fim-de-semana, participei numa competição que foi em homenagem ao meu pai [Justiniano Araújo] e foi a competição mais difícil de toda a minha vida. Porque o meu pai era o meu grande incentivador para que eu fizesse ciclismo e sempre que subo para uma bicicleta, tanto para treinar como para competir, é uma tortura psicológica muito grande… mas de tudo irei fazer para não o desapontar e continuar a deixá-lo orgulhoso de mim, onde ele estiver!
No início de maio, Bruno Araújo perdeu o seu pai, o ex-ciclista Justiniano Araújo, e tem tentado lidar com o seu desaparecimento desde aí. Na sua tristeza, confessa-nos que o GP Vila do Nzeto, corrida que este ano foi Memorial Justiniano Araújo, foi o seu momento mais duro de sempre em cima da bicicleta. Agora, resta-lhe continuar com a sua vida e dar cada pedalada em honra do seu grande pai, amigo, mentor.
No âmbito desta entrevista, aproveitamos também para enviar, em conjunto com a comunidade do ciclismo, uma mensagem de apoio a Bruno e a toda a família Araújo neste momento difícil.
Como analisas o percurso dos campeonatos deste ano?
Este ano o percurso não será tão montanhoso como no ano passado, existem alguns topos curtos mas pouco inclinados. Será uma prova muito difícil, porque não haverá uma zona para se fazerem grandes diferenças, e se for uma fuga será muito difícil de anular. Mas de tudo irei para fazer para conseguir revalidar o título e vestir a camisola pela quinta vez.
Os campeonatos nacionais estão à porta. É já amanhã que os ciclistas enfrentam a primeira prova do fim-de-semana, o contrarrelógio por equipas. Segue-se o contrarrelógio individual, no sábado, e por fim, a prova de estrada, no domingo. Apesar de considerar que o percurso não lhe favorece, Bruno Araújo promete deixar tudo na estrada para defender não apenas um, mas 4 títulos conquistados de forma consecutiva!
Consideras-te o principal favorito? Que adversários te podem fazer frente?
Sim, considero-me o principal favorito para a prova de fundo, mas existem muitos atletas com grande potencial, como o Dário António, o Igor Silva, o Euclides Chingui, o Mário de Carvalho e uma das grandes promessas do nosso pelotão, o Ricardo Ferrão.
A contenda entre todos estes ciclistas promete aquecer as estradas angolanas, naquele que será o grande final, mas na luta individual contra o relógio, a balança de poderes muda um pouco:
Para o contrarrelógio individual, o grande favorito para mim é o Dário António. Ele é um especialista, mas não podemos esquecer os outros. Já eu vou para tentar fazer top-5, visto que não é a minha grande especialidade, mas irei tentar de tudo para poder medalhar.
Muitos favoritos, apenas dois títulos individuais em disputa! Quem irá sagrar-se campeão angolano de ciclismo?
Por último, tens alguma mensagem que queiras deixar aos teus fãs?
Primeiro, agradecer a vocês [Portuguese Cycling Magazine] por me darem sempre a oportunidade de ser entrevistado. Depois, agradecer a todos os meus fãs por acreditarem em mim e incentivarem-me em cada competição! Por mais que o resultado muitas das vezes não seja o desejado, e tudo faço para ser sempre a minha melhor versão.
Agradecemos a Bruno Araújo a disponibilidade para conversar com a Portuguese Cycling Magazine e antever os campeonatos nacionais de Angola!
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