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“Para mim, um bom Tour seria terminar nos 5 primeiros” – Entrevista exclusiva com João Almeida

O “Bota Lume” sobre o início de temporada em Portugal, o grande objetivo do Tour de France e a amizade com António Morgado.

João Almeida dispensa as apresentações que normalmente se reservam no início de um artigo de entrevista. O ciclista português de 25 anos é reconhecido a nível nacional e mundial, ainda mais desde a última vez que falou – a última vez que escreveu foi na passada Volta à Polónia – em exclusivo à Portuguese Cycling Magazine, no já distante Giro 2022, que acabou no ‘triste fado’ do abandono. O Giro 2023 trouxe contudo melhor destino, na conquista de um pódio marcante para o ciclismo de Portugal. Voltada a página para 2024, a história do nosso ciclismo promete continuar a ser escrita por ele.

A verdade é que Portugal nunca deixa João Almeida, quer no cuidadosamente estruturado calendário competitivo, quer no simples pormenor das mangas do jersey. Esta entrevista acaba por ser o exame da relação entre ambos, que se foi aprofundando ao longo dos anos, com o incansável contributo dos fãs que, certamente, vão partir com o seu ciclista, desde os rochedos italianos e as mesetas ibéricas, à conquista dos Pirenéus e Alpes franceses. Para esses fãs, é especialmente dedicada esta entrevista!

O início de temporada em Portugal

Voltada a página de 2023, a história de 2024 pode começar a ser escrita, mas nesta altura o texto ainda está em fase de projeto. Na mais recente publicação de Instagram de João Almeida, lê-se que “a fase de preparação está quase a terminar”, fase essa que “no geral, está a correr bem. Há sempre pequenos imprevistos, mas fazem parte do processo.” A estreia na temporada, como toque da caneta no papel, está a 3 semanas de distância e fala-se em língua portuguesa. “Sabe sempre bem correr em Portugal, ter todos os fãs portugueses a apoiar e a gritar o nosso nome é um sentimento especial. Ainda sabe melhor quando temos bons resultados e estamos a discutir as corridas”, ainda que Almeida admita abordar as primeiras provas “sem grandes expetativas de resultados”.

O ciclismo português tem evoluído muito nos últimos anos, e João Almeida (e companhia) vão enfrentar as consequências, nas oportunidades criadas para a modalidade, dos seus grandes feitos. Uma dessas oportunidades é a Figueira Champions Classic, que ascendeu à categoria 1.Pro depois de uma primeira edição de sucesso. “Acho que é muito positivo. O ciclismo português tem muito para evoluir, e quantas mais corridas tivermos em Portugal em que as equipas World Tour estão presentes, melhor”, um elogio que não esquece as especificidades da corrida e do calendário do próprio ciclista. “Se me perguntasses o que preferia, se calhar preferia começar só no Algarve, mas a equipa que faz o Algarve é a equipa que faz a Figueira, e tenho todo o gosto em correr em Portugal, sendo a corrida em Portugal acho que faz sentido fazê-la, também para ter um primeiro contacto com a competição e ver como é que o corpo se sente.”

Naturalmente, o facto de o Tour de France tomar lugar “ligeiramente mais tarde do que o Giro” impõe “uma preparação ligeiramente diferente”, com menos “ideias de resultados” do que no ano passado, no que concerne à Volta ao Algarve. “Sinceramente, a expetativa passa por estar entre os primeiros. Não parto para a corrida com a ideia de que a vou ganhar, embora gostasse bastante.” Perante a concorrência muito forte, melhorar o 6º lugar do ano passado não se torna impossível. “Com certeza que vou dar o meu melhor. Desde que fique feliz com o meu esforço e com a minha corrida, fico sempre tranquilo.”

João Almeida vestiu a camisola rosa do Giro durante 15 dias, mas o seu amor por ela é infinito.
Foto: Luca Bettini/AFP

Ao aquecimento na Figueira Champions Classic segue-se o exercício propriamente dito nas Clássicas das Ardenas, onde se destaca a monumental Liège-Bastogne-Liège, que João Almeida venceu em sub-23 e também já correu como elite. “Em sub-23 é muito diferente de elites, [a corrida] é mais curta”, deixa o reparo com humildade. “A chave é guardar tudo para o final. É uma corrida em que as estradas são sempre – como todas as coisas na Bélgica e na Holanda – bastante estreitas, então tem de se encontrar um equilíbrio entre despender energia mas estar bem colocado e fora de perigo.” Para sustentar este frágil equilíbrio, há uma dimensão fundamental: “Certamente, quem quer ganhar a corrida tem de ter uma equipa à altura. É um trabalho de equipa, como em todas as corridas.”

Este ano, ao contrário do que tem sido habitual na carreira de João Almeida, a história não será escrita no Giro d’Italia, e o ciclista português explica a decisão que tomou em conjunto com a equipa. “Claramente vou voltar um dia, mas vamos intercalando de ano para ano as corridas e acho também que fazer todos os anos o Giro, sempre com a mesma preparação, não é muito bom, tem que se mudar um pouco.” O primeiro capítulo parece assim estar encerrado, com o 3º lugar bem narrado, mas a história pode acomodar mais capítulos. Quando questionado se o seu amor pela camisola rosa, que envergou durante 15 dias em 2020, é infinito – em alusão ao slogan ‘Amore Infinito’, que tão fielmente caracteriza o ambiente que o Giro proporciona – João Almeida não tem como negar o destino: “Certamente é infinito, e certamente vou voltar ao Giro no futuro, por aquela camisola!”

João Almeida espera dias melhores em França do que aquele no Col du Tourmlet.
Foto: Sirotti

O grande objetivo do Tour

O Tour de France é o grande objetivo da temporada de João Almeida, o clímax para onde se encaminham o enredo de 2024. Mas imediatamente antes, o ciclista português escreverá um capítulo na Volta à Suíça, onde outro ciclista português fez ele próprio história, por não uma, não duas, mas três ocasiões! Questionado sobre se já enviou mensagem a Rui Costa para pedir conselhos, a resposta surge com um sorriso: “Ainda não, mas certamente vou mandar. Vou precisar de toda a ajuda que ele me conseguir dar!”

Numa entrevista publicada na newsletter da Federação Portuguesa de Ciclismo, João Almeida expressou o seu interesse em correr o Tour, e sabendo agora que vai mesmo participar, sente-se entusiasmado. “Quero chegar lá na minha melhor forma física e dar o meu melhor. É a maior corrida do mundo, o Tour é o Tour!” E precisamente por o Tour ser um capítulo tão importante é que ele não estará sozinho, pois além do líder da equipa Tadej Pogačar, a UAE Team Emirates contará também com Adam Yates e Juan Ayuso. “Mais vale levar a mais do que a menos, sempre ouvi dizer”, exclama em tom de brincadeira, quando questionado sobre o segredo para conciliar tantos bons ciclistas, habituados a liderar, numa só equipa; mas então o tom torna-se sério: “Vamos levar uma equipa excelente e esperamos estar a lutar pela vitória.”

Como ciclista que gosta de correr as subidas de trás para a frente, João Almeida poderá ter de se readaptar à função de impor ritmo na frente do grupo dos favoritos, caso a estratégia de equipa assim o determine. “Basicamente, se tiver de impor o ritmo, imponho o ritmo, depois vou até onde conseguir”, promete com o mesmo sorriso de há pouco. Feitas as contas, o que seria então, para ele, um bom Tour? “Para mim, um bom Tour seria terminar nos 5 primeiros da classificação geral. Tendo em conta os grandes que vão, acho que seria um resultado muito positivo. Mas vamos ver se é possível.”

João Almeida representou Portugal em Tóquio 2020, mas é “pouco provável” voltar em Paris 2024.
Foto: Getty Images

A amizade com António Morgado

Saindo do Tour, mas continuando em França, João Almeida tem como opção representar o seu país nos Jogos Olímpicos de Paris, porém classifica essa opção como “pouco provável”, uma vez que “o percurso não se adapta muito a mim.” De facto, as três passagens por Montmatre com final no Trocadéro não parecem apresentar uma dureza do tipo que Almeida gosta, o que leva o 13º classificado da prova de estrada das últimas Olimpíadas a concluir que “talvez hajam dois atletas que faz mais sentido levarmos em vez de mim.”

O próximo capítulo chegará apenas na Vuelta a España, com uma ‘saída à portuguesa’ que certamente será muito especial para João Almeida, os ciclistas lusos, e todos os portugueses que gostam de ciclismo. “É um sentimento especial por sair de Portugal, mas são só uns dias” e, por essa mesma razão, o português natural das Caldas da Rainha recusa algum tipo de responsabilidade adicional na corrida: “A responsabilidade é exatamente a mesma, que é dar o meu melhor. De resto, não muda nada.”

Falando de ciclista lusos, a UAE Team Emirates conta com quatro para 2024: ao próprio João Almeida, acrescem Ivo Oliveira, Rui Oliveira e António Morgado, sem esquecer os elementos do staff da equipa. “Acho que é positivo”, diz Almeida ao caracterizar o ambiente na equipa, realçando o mérito de cada um dos seus companheiros para estar no lugar em que está: “No fundo, cada um tem o seu mérito e todos merecemos o nosso lugar, portanto tem um bom significado e claro que é sempre bom falar português na equipa.”

João Almeida e António Morgado são amigos de longa data e estão acostumados a partilhar o mesmo pódio.
Fotos: Jornal das Caldas (direita)/João Fonseca (esquerda)

No universo dos ciclistas portugueses, é com António Morgado que João Almeida mantém uma amizade de longa data. “Posso dizer que já conheço o António há muito tempo”, reage desta forma quando lhe mostramos a fotografia de ambos muito jovens, que se tornou viral nas redes sociais. “Ele sempre foi bom ciclista, sempre teve uma grande capacidade, e tem vindo a afirmar-se e a mostrar do que é capaz. Eu acho que ele vai conseguir alcançar muito mais e certamente vai ser um dos grandes nomes, a nível mundial, do ciclismo.”

No campo de treinos de dezembro da UAE Team Emirates, que teve lugar em La Nucia, Espanha, António Morgado teve o primeiro contacto (oficial) com o World Tour e a sua nova equipa. “É um processo natural que só depende dele, mas obviamente, no que eu puder ajudar, ajudo”, conta João Almeida sobre a integração do seu amigo, admitindo que o processo está a correr bem e de forma normal. Perguntámos então se ele tinha alguma história mais engraçada com António Morgado para contar, que tenha acontecido num dos muitos treinos que realizam juntos, e a resposta não poderia ter sido mais representativa da icónica dupla: “São só horas de sofrimento a treinar. Há sempre alguns imprevistos, os empenos de fome, as paragens em bombas de gasolina para comprar gomas… coisas normais que às vezes acontecem, sempre com alguma diversão, para quebrar o sofrimento.”

Para concluir, propomos a João Almeida que deixe uma qualquer mensagem, e ele vira-se mais uma vez para os fãs que sempre o acompanham. “No fundo, é sempre uma mensagem de agradecimento pelo apoio incondicional. Continuem a apoiar, que eu continuo aqui a dar o meu máximo!” Desta forma, independentemente da história que João Almeida venha a escrever em 2024 e no futuro, todos ficamos felizes e orgulhosos por acompanhá-lo nos vários capítulos.

Agradecemos a João Almeida e à UAE Team Emirates a disponibilidade para nos conceder esta entrevista e desejamos-lhes boa sorte na temporada de 2024!

Foto de capa: Fizza/UAE Team Emirates

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