Apeldoorn foi o palco dos Campeonatos Europeus de Pista 2024, cinco dias emocionantes, com várias reviravoltas e corridas impressionantes. Foram também cinco dias que demonstraram o trabalho que tem vindo a ser realizado pelas diferentes seleções, com natural destaque para a Seleção Nacional Portuguesa.
A nossa Seleção foi representada por seis corredores nestes Campeonatos: Diogo Narciso, Rodrigo Caixas, Iúri Leitão e Rui Oliveira, na vertente masculina, e Maria Martins e Daniela Campos, na vertente feminina. No rescaldo da competição, onde a Portuguese Cycling Magazine esteve presente, preparamos este artigo, onde podem encontrar o resumo das provas onde a Seleção Nacional participou e declarações dos atletas e do Selecionador Nacional, Gabriel Mendes.
Na preparação para os Europeus, tivemos a oportunidade de falar com Iúri Leitão, Tata Martins e Diogo Narciso, sobre as suas aspirações e sobre a qualificação olímpica.
Ciclismo de Pista 101: Jogos Olímpicos´24
Ciclismo de Pista 101: Europeus de Pista 2024 com Iúri Leitão
Ciclismo de Pista 101: Europeus 2024 com Tata Martins
Ciclismo de Pista 101: Europeus 2024 com Diogo Narciso
Dia 1 – 10 de janeiro – Um início de muita polémica
Diogo Narciso foi o primeiro português sobre a pista. Abrindo a prestação portuguesa na prova de eliminação, Narciso foi eliminado num sprint em que não foi o último a passar a meta, mas foi relegado por uma ação prévia ao sprint que, no entender dos vice-árbitros, representava uma manobra perigosa. O Selecionador Nacional Gabriel Mendes explicou à Portuguese Cycling Magazine que a corrida de eliminação é bastante complexa e as regras no ciclismo de pista são extremamente exigentes. Essa exigência da corrida por vezes dá azo a situações difíceis, e por diversas ocasiões elas têm de ser avaliadas rigorosamente pelos vice-árbitros e até podem resultar em situações de relegação, como aconteceu a Diogo Narciso.
“O motivo de sermos eliminados na corrida de eliminação não foi o que aconteceu à entrada da curva quatro, mas sim noutra curva. Foi uma decisão que o comissário teve de tomar em poucos segundos, depois da passagem, mas com base na imagem anterior.”
Gabriel Mendes
Não obstante, o Selecionador Nacional teceu rasgados elogios ao atleta de 22 anos, referindo o bom início da corrida e a sua boa forma, sendo o resultado um infortúnio derivado da corrida.
“Tivemos essa infelicidade, mas temos de respeitar as decisões dos árbitros. Nós podemos questionar e até discordar, mas se a decisão já está tomada, temos de respeitar e seguir em frente.”
Gabriel Mendes
“Ficamos desapontados com os comissários por eliminarem o Diogo e ele ter ficado apenas em nono, porque sentimos que ele fisicamente estava bem, que conseguiria talvez chegar às medalhas – e nem estou a ser otimista!”
Iúri Leitão
Dia 2 – 11 de janeiro – Medalha de ‘chocolate’ e mais um passo em direção aos Jogos Olímpicos
Ao segundo dia de competição, entraram em pista Rodrigo Caixas, para a qualificação do quilómetro de contrarrelógio, Iúri Leitão e Rui Oliveira, para a disciplina de madison, e Tata Martins, para fechar o dia com o scratch, onde era a detentora do título europeu. Este dia prometia ser chave para o apuramento para os Jogos Olímpicos 2024, particularmente no madison, onde Portugal se encontrava na terceira posição entre as nações que se qualificam através do ranking da disciplina.
Rodrigo Caixas abriu o dia da Seleção Nacional, conseguindo o 15.º lugar no quilómetro de contrarrelógio, num total de 1’03″896, um tempo que, infelizmente, não foi suficiente para se qualificar para a final. O atleta referiu que esta competição não se enquadra nas suas características, uma vez que é uma prova maioritariamente para sprinters. Além disso, como nos disse o seu colega Iúri Leitão, Caixas sofreu de problemas respiratórios que afetaram muito a sua performance. Iúri Leitão frisou que “os tempos alcançados por ele não refletem aquilo de que ele é capaz, como vimos nos treinos para os Europeus.”
No final do dia, entraram em ação Iúri Leitão e Rui Oliveira, na disciplina olímpica de madison. Esta corrida foi um dos momentos altos da Seleção Nacional, colocando os portugueses junto à televisão para acompanharem Leitão e Oliveira, que não só consolidaram a ambição olímpica nacional, como também estiveram perto das medalhas. A corrida de 200 voltas, que perfazem 50 quilómetros, começou a uma velocidade e ritmo elevados, impedindo ataques e tentativas de dobragem. Apenas a 74 voltas para o final, e pelas cores nacionais, a ousadia dos dois atletas resultou numa dobragem em menos de dez voltas, onde Portugal acumulou 20 pontos e se colocou em posição de medalhas. A 39 voltas para o fim, os portugueses tentaram novamente acumular mais 20 pontos, mas o ataque não vingou. A tentativa falhada não desmoralizou Leitão e Oliveira, que tentaram novamente a 18 voltas para o final. A dobragem não foi possível, mas os atletas nacionais ficaram no comando e venceram os últimos dois sprints, um esforço que garantiria a medalha de bronze caso a seleção da Dinamarca não tivesse pontuado na meta e defendido a sua terceira posição. No fim, o resultado foi um honroso quarto lugar e uma ‘medalha de chocolate’ numa corrida extremamente disputada.
No que toca ao apuramento olímpico, a prestação da dupla nacional amplificou a margem que garante o apuramento para cerca de 1600 pontos, o que dá quase garantias da presença de uma dupla portuguesa em Paris. Iúri Leitão realçou o balanço positivo deste resultado, onde Portugal conseguiu alargar a diferença para os rivais.
“Tendo em conta os objetivos traçados e o grau de desempenho dos atletas, o balanço é extremamente positivo. Nas disciplinas olímpicas, que eram o nosso foco prioritário, tivemos um ótimo nível. No madison, conseguimos atingir o nosso objetivo de fortalecer o apuramento olímpico e ainda estivemos na discussão das medalhas.”
Gabriel Mendes
Tata Martins fechou o dia no scratch, entrando em pista logo depois da corrida de madison. A atleta referiu desde o início, à Portuguese Cycling Magazine, que o seu foco era “a qualificação olímpica” e que, portanto, o omnium do dia seguinte era a sua prioridade. Mesmo assim, sem intenções máximas de defender o título de scratch, a atleta manteve-se na frente e esteve perto do pódio, terminando na quinta posição numa corrida que foi discutida num sprint em pelotão compacto.
Dia 3 – 12 de janeiro – Chave de Ouro e os Jogos cada vez mais perto
O terceiro dia de competição guardava muitas expectativas. Tata Martins iria entrar na pista para o omnium, contando novamente para o sonho olímpico, seguindo-se a competição de perseguição com Rodrigo Caixas, e, por último, a corrida de scratch masculina, pelas pernas de Iúri Leitão, já medalhado nesta disciplina em 2020 e 2022.
O dia começou com uma promessa de Iúri Leitão: “Parto para esta corrida de scratch muito relaxado e absolutamente sem pressão. O nosso objetivo principal, o madison, foi superado com um resultado acima das expectativas. Por isso, hoje vou tentar desfrutar ao máximo da corrida. Não prometo resultados, mas garanto comprometimento e espetáculo para o público!”
Iúri prometeu e não falhou, dando o melhor espetáculo que os portugueses poderiam esperar e sagrando-se campeão da Europa de scratch pela terceira vez na sua carreira de elite. A vitória começou a desenhar-se a 60 voltas do fim, quando uma movimentação permitiu a seleção do grupo que viria a discutir o título. Ataques sucederam-se na frente da corrida, endurecendo-a. A nove voltas para o fim, Iúri Leitão destacou-se dos adversários, isolou-se, e assegurou mais um título.
Iúri contou à Portuguese Cycling Magazine que não estava com expectativas de assegurar novamente este título. O atleta afirmou que antes da competição tinha estado doente, e que, tendo em conta que a Seleção Nacional se encontrava mais focada no apuramento olímpico no madison, o título no scratch não era um objetivo para estes Europeus.
“No scratch já comecei a sentir a fadiga da corrida do dia anterior, tentei fazer uma prova mais conservadora e jogar mais com a parte tática e o psicológico dos meus adversários. Com o desenrolar da corrida, comecei a perceber os meus adversários, quem estava capaz ou não de fazer a diferença na corrida, consegui evitar responder diretamente aos ataques na frente, e, exatamente por isso, por não ter gasto tanto como eles, consegui vencer.”
Iúri Leitão
Por sua vez, Tata Martins terminou o concurso de omnium na oitava posição, um desempenho que permite a manutenção da qualificação portuguesa para os Jogos Olímpicos de Paris. O início da prova viu-se complicado para a atleta, que terminou a prova de scratch na 14ª posição. Posteriormente, Tata conseguiu melhorar o seu desempenho, conseguindo o sexto lugar na corrida tempo e na eliminação, que a deixava na décima posição da geral à entrada para a última corrida. Na corrida por pontos, ascendeu à 8ª posição da geral e fortificou a sua posição na qualificação olímpica.
”Eu vejo os nossos resultados de uma maneira extremamente positiva. Cimentámos a nossa posição na qualificação olímpica do omnium feminino com a Tata. Ela conseguiu aumentar a vantagem para todas as outras adversárias.”
Iúri Leitão
Finalmente, Rodrigo Caixas, na perseguição individual, conseguiu a 15ª posição no contrarrelógio de 4 quilómetros, que cumpriu em 4’22″735. O atleta não conseguiu melhorar a sua marca (4’16″823), mas tendo em conta a sua condição física, a Seleção fez um balanço positivo à sua participação.
Dia 4 – 13 de janeiro – Mais uma moeda mais um passo em direção ao Apuramento Olímpico
Mais um dia de competição, mais três atletas em pista: Rui Oliveira, no omnium; Daniela Campos, na corrida por pontos; e Tata Martins, na eliminação.
Os olhos estavam postos em Rui Oliveira, num dia de competição de extrema exigência no omnium, modalidade olímpica, que durou aproximadamente seis horas desde a corrida de scratch até à corrida por pontos. Muitos portugueses esperavam ver Iúri Leitão, atual Campeão do Mundo da disciplina, a disputar a corrida e envergar a camisola do arco-íris durante a prova, mas a escolha de ser Rui Oliveira a entrar em pista focou-se na abertura de possibilidades para as Taças do Mundo, possibilitando o atleta de competir nesta disciplina nas próximas competições, que são o próximo objetivo da Seleção Nacional com foco na qualificação olímpica, como explica Iúri Leitão:
“A Seleção Nacional estudou o melhor plano a traçar para estes Campeonatos da Europa, tendo em conta a necessidade dos atletas terem um número mínimo de pontos para poder competir na Taça do Mundo. Era importante que o Rui competisse no Campeonato da Europa para poder vir a ser elegível para competir nas Taças do Mundo. No ano passado, só eu e o João Matias é que podíamos competir no omnium, e, no caso de haver algum problema e nenhum dos dois poder competir, nós não íamos poder participar na Taça do Mundo de omnium. Desta forma, o professor Gabriel queria abrir mais uma hipótese e ter o Rui elegível para poder competir caso alguma coisa acontecesse. É fundamental termos várias opções para não hipotecar a nossa qualificação olímpica.”
O concurso de omnium não começou da melhor forma para o atleta português, que estava afetado, como contou à Portuguese Cycling Magazine, por problemas intestinais, terminando em nono no scratch e 12º na corrida tempo. O português não baixou os braços, neste caso, não deu descanso às pernas, e mostrou a sua resiliência e capacidade de superar as adversidades, terminando a prova de eliminação no segundo lugar e subindo à oitava posição na classificação geral. Esta prova permitiu-lhe entrar numa posição mais confortável na corrida por pontos, uma prova imprevisível onde Rui Oliveira mostrou toda a sua dedicação e força. O ciclista da UAE Team Emirates ganhou uma volta de avanço, acumulando 20 pontos, e ainda pontuou em três sprints intermédios, uma performance que lhe valeu um honroso quinto lugar no omnium.
Relativamente à prestação de Rui Oliveira, o Selecionador Nacional Gabriel Mendes reforçou a dificuldade desta prova, devido ao desgaste acumulado, mas relevou o bom nível que o atleta demonstrou na segunda parte da corrida e que resultou num resultado forte para as ambições da Seleção Nacional.
“O Rui, no Omnium, apesar de no início as coisas não terem corrido tão bem, fez uma segunda metade muito boa, a muito bom nível. Conseguimos subir mais ainda na última corrida e entrámos ali quase na possibilidade de lutarmos pelo pódio. Era difícil, as energias já não eram muitas, mas fizemos um ótimo omnium.”
Gabriel Mendes
À Portuguese Cycling Magazine, o atleta de Gaia fez um balanço positivo da corrida. Mesmo com um início debilitado, limitou as perdas na eliminação e, na corrida por pontos, com paciência e gestão de esforço, conseguiu subir na tabela e estar perto da discussão das medalhas.
Este dia marcou também a estreia de Daniela Campos na madeira neerlandesa. A atleta de 21 anos competiu na corrida por pontos, contra um pelotão de adversárias com experiência e vários palmarés, e terminou no 14º lugar, sem conseguir pontuar, que era o objetivo da Seleção. A competição foi muito intensa e Lotte Kopecky não deu hipótese às adversárias. Gabriel Mendes vê na atleta capacidade de evolução e Daniela Campos continuará a ser uma aposta de trabalho da Seleção Nacional.
“A Daniela, que ainda está a ganhar bastante experiência, teve uma corrida muito dura na competição por pontos. Eu tive a oportunidade de ver a corrida e foi uma corrida extremamente dura e ela deu o melhor que podia. O resultado, se calhar, não é o que parece ser o melhor, mas a verdade é que a prova foi bastante dura e para ela é bastante importante fazer este tipo de competições.”
Iúri Leitão
Tata Martins terminou a sua participação nestes campeonatos europeus na eliminação, onde acumulou mais um 5º lugar. Esta prestação foi elogiada pela Seleção Nacional, tendo em conta o cansaço e desgaste acumulados pela participação no scratch e no omnium e a alta intensidade da competição.
Dia 5 – 14 de janeiro – Último Esforço
Diogo Narciso fechou a participação de Portugal no Campeonato da Europa, na corrida por pontos. Gabriel Mendes reforçou a dificuldade e exigência desta competição e definiu como objetivo para este ano terminar nos oito primeiros lugares.
“Vamos procurar fazer uma corrida para podermos, no fundo, trabalhar para aquilo que fizemos o ano passado, um sexto lugar, que não é fácil. É uma corrida extremamente exigente, é uma corrida que pode ter vários desenvolvimentos e portanto só durante o período da corrida é que vamos ver como é que as coisas poderão eventualmente vir a acontecer. Estamos aqui para dar o nosso melhor e para podermos ter um bom desempenho, se chegarmos nas oito primeiras nações considero como um muito bom desempenho, tendo em conta o nível e aquilo que eu prevejo que vai ser a exigência desta corrida.”
Gabriel Mendes
O atleta teve um bom desempenho ao longo das 160 voltas, num total de 40 quilômetros, de uma prova muito movimentada e de alta exigência. Um grupo de ciclistas, no qual Narciso estava incluído, demonstrou a habilidade de dobrar o pelotão, garantindo 20 pontos adicionais e destacando-se na liderança da corrida e da tabela classificativa. O grupo discutiu entre si os diversos sprints intermédios, mas o topo da classificação foi usurpado por dois ciclistas que conseguiram dobrar novamente este grupo. A disputa pela medalha de bronze estava em aberto e Narciso deu o seu melhor, conseguindo pontuar em 5 sprints. Infelizmente, acabou por ficar a apenas nove pontos do atleta que fechou o pódio, garantindo-lhe um sólido sexto lugar na prova e alcançando os objetivos da Seleção Nacional.
“Foi uma corrida muito rápida desde o início, o objetivo passava por, numa fase inicial, poupar algumas forças, mas a 120 voltas para o final surgiu a oportunidade de dobrar o pelotão. Consegui e depois tentei controlar o desgaste e o sofrimento durante algumas voltas, tentei novamente, cometi alguns erros – que já foram discutidos com o selecionador -, e agora é trabalhar para melhorar, aprender com os erros. Nem sempre as provas correm como nós queremos. É um bom resultado, sexto lugar em três anos seguidos (risos), esperamos melhorar para o ano. É um balanço positivo.”
Diogo Narciso
A Seleção Nacional fez, assim, um balanço positivo da sua participação nos Campeonatos da Europa 2024. Os portugueses festejaram mais uma medalha e um título Europeu, e o objetivo é claro: o apuramento para os Jogos Olímpicos 2024, em Paris. Fiquem desse lado a acompanhar a Seleção Nacional de Pista, com a Portuguese Cycling Magazine, nesta jornada até aos Jogos Olímpicos 2024! E como nos disse Diogo Narciso, “vemo-nos na Austrália!”