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“O Tadej Pogačar merece tudo” – Entrevista com Rui Oliveira no Giro d’Italia

O ciclista português sobre o caminho até ao Giro d’Italia, o balanço da primeira semana, os próximos objetivos, e se trocava com o irmão Ivo em alguns momentos.

Rui Oliveira, ciclista de 27 anos da UAE Team Emirates, é o único português a correr o Giro d’Italia 2024. Ocupa atualmente o 136ª lugar da classificação geral, mas isso “não interessa para nada” quando o objetivo principal da equipa está a ser cumprido: Tadej Pogačar de camisola rosa. Até agora, foram três vitórias para o esloveno, e nove dias em que o português não parou de trabalhar, seja na frente do pelotão ou no lançamento do sprint. Foi um longo e árduo caminho até Itália para Oliveira, desde a lesão em fevereiro até à preparação na Colômbia, e agora está a aproveitar cada momento do sucesso para o qual tanto contribui.

Aproveitámos o dia de descanso do Giro para conversar com Rui Oliveira, sobre a primeira semana desta prova, e também um pouco sobre aquilo que espreita no horizonte, com ainda um toque de humor no final. A tudo isto, ele respondeu com a boa disposição que o caracteriza.

English version: “Tadej Pogačar deserves everything” – Interview with Rui Oliveira in the Giro d’Italia

Depois de um excelente início de época no Algarve, lesionaste-te na Omloop Het Nieuwsblad. Como te sentiste por ter de parar e recuperar, quando estavas tão bem?

O Algarve foi uma corrida muito motivadora para mim, onde confirmei a minha boa forma depois do Saudi Tour. Estava a preparar-me para as clássicas, que eram o meu principal objetivo na primeira parte [da temporada], e claro que é sempre mau. Sabendo que tinha uma fratura, ia levar algum tempo a recuperar. Foi uma desilusão, mas também sabia que talvez pudesse ter tempo de recuperar para o Giro, e fazendo todos os check-ups no hospital e o plano com a equipa médica, conseguimos perceber que havia tempo para preparar o Giro. Então, passados dois dias desde a queda, já estava em cima dos rolos, já tinha uma estratégia delineada para puder voltar a competir, essa foi sempre a minha principal motivação para estar no Giro, porque não é a mesma coisa do que ir para uma prova de um dia ou uma semana; não correr praticamente desde fevereiro e correr uma grande volta obviamente tem as suas desvantagens, mas depois da queda foi tentar dar reset a tudo, começar tudo de novo, com o objetivo do Giro.

Enquanto decorriam as clássicas e tu recuperavas em Andorra, consta que estavas bastante aborrecido. Esse sentimento promoveu a tua ida para a Colômbia?

O principal do ciclismo é correr: estando três semanas a treinar nos rolos, sem puder sair de casa para treinar na estrada, torna-se um bocado aborrecido, mas nunca deixei de pensar no principal objetivo, estar aqui [no Giro]. Ir para a Colômbia não teve a ver com isso [estar aborrecido], teve mais a ver com um estágio de altitude, que tem os seus benefícios conhecidos, e estar também com o [Juan Sebastián] Molano, tentando fazer algumas simulações de treino que agora estão a ser úteis.

Oliveira com Molano (e Novak) no Giro.
Foto: Fizza/UAE Team Emirates

Obviamente, o Tadej Pogačar tem sido extraordinário neste Giro d’Italia. Esperavas que as coisas estivessem a correr tão bem, com uma grande vantagem na primeira semana?

Obviamente que o ciclismo não é fácil. Mesmo tendo o melhor ciclista do mundo, as coisas não são assim tão fáceis. Por detrás destes 2 minutos e 40 segundos de vantagem, passámos por muito nestes 9 dias. É preciso ter muita sorte, mas obviamente também buscamos a sorte, buscamos estar fora de perigo, e acho que, enquanto equipa, temos feito um trabalho extraordinário. Sabemos que o principal objetivo é o Giro d’Italia – temos também objetivos secundários com o Molano e, quando dá, tentamos focar nissso – sabemos que o principal objetivo é o Tadej, e sabemos que ele está numa forma muito boa, sabemos que ele podia ganhar nos dias em que ganhou, principalmente no segundo [Etapa 2]. Temos sempre acreditado nele e ele dá-nos conforto, porque sendo um ciclista tão forte e estando tão bem fisicamente, conseguindo ganhar tempo aos mais direitos adversários é um alívio.

Acho que estes 2 minutos e 40 segundos são uma vantagem boa, mas não querem dizer nada. Basta um dia mau, basta uma queda, basta um furo num mau momento, tudo pode acontecer… 2, 3, 4, 5 minutos, é preciso ter atenção todos os dias. É por isso que vamos com os pés assentes na terra e com calma, porque ainda faltam duas semanas.

No segundo dia, enquanto o Pogačar vencia e chegava à camisola rosa, tu e o Juan Sebastián Molano chegaram nas últimas posições da etapa. Como funcionam as etapas de montanha para os sprinters?

Nesse dia, particularmente, a INEOS Grenadiers entrou a tirar [tempo], porque havia uma fuga que estava com uma diferença perigosa para eles, e eles praticamente assumiram a corrida, numa forma de honrar a vitória do Narváez, porque senão tínhamos sido nós desde o início. Eu entrei à volta de 100 quilómetors, a tirar com a INEOS para reduzir o tempo, e é esse o meu principal trabalho: tentar ajudar na parte inicial, tentar que a fuga não fique descontrolada e ganhe bastante tempo, até onde possa tentar meter os nossos principais ciclistas na frente, sem gastar muita energia. Depois, nós [eu e o Molano] fomos a tentar salvar o máximo de energia que pudessemos, e o facto de termos feito penúltimo e último não quer dizer nada, podíamos ter chegado com o grupetto.

Controlamos o tempo máximo todos os dias; se há dias em que em vez de se chegar a 20 [minutos] se puder chegar a 30 e ir mais devagar, nós fazemos isso, porque é um modo de salvar energia. Em três semanas, todos os dias, vamos salvar um pouco de energia quando pudermos, porque há dias em que vamos estar muito próximos do tempo máximo e vamos ter que ir no limite até à meta. Portanto, havendo dias em que se possa ficar para trás e ir a ‘rodar as pernas’, nós iremos fazê-lo, porque fazer último ou estar em último na geral não interessa para nada; temos só um objetivo principal, que é a vitória [na geral], e é nisso que nos focamos.

Até agora, o Molano conseguiu um 3º lugar, na etapa de ontem, mas mais nenhum top 10. Qual é o balanço desta primeira semana de sprints?

Sabíamos que aqui ia ser uma grande loucura, há praticamente 15 equipas que trazem sprinters de renome para discutir as etapas – penso que só faltam o Jasper [Philipsen] e o Groenewegen. Vendo isso, sabíamos que ia ser uma grande luta, como foi nos primeiros dias. No primeiro dia [Etapa 3], estive perto de fazer um bom trabalho: consegui estar com o Molano no último quilómetro, mas por um toque de outro corredor saiu-me a corrente e já não consegui fazer o leadout. Noutro dia, chegou a fuga [Etapa 5], e noutro dia, o Molano teve uma queda a meio da etapa e não conseguiu discuti-la [Etapa 4]. Ontem [Etapa 9] não foi uma pura etapa para sprinters, foi uma etapa muito dura no final. Conseguimos aguentar e o Molano conseguiu fazer 3º, já ia um pouco no limite, mas demonstrou que está a subir de forma, e eu também estou a subir de forma – preciso ainda de ritmo de competição, porque não correndo há mais 2 meses, falta-me esse ritmo nas chegadas ao sprint – e estamos cada vez mais confiantes. O Molano está perto da vitória e temos 2 etapas nesta semana em que pudemos lutar pela vitória. Sabemos que confiamos nele, sabemos que também há outros sprinters muito bons, mas não deitamos a toalha ao chão, já provámos várias vezes que podemos ganhar, e é para isso que vamos lutar.

O 3º lugar do Molano teve um lançador surpreendente no Pogačar. Qual é o sentimento, para a equipa, de saber que o camisola rosa também está disposto a desempenhar esse papel?

Ele é um campeão, em todos os sentidos! Ele não tem obrigação de fazer nada no final, só tem que seguir o grupo principal, não perder tempo e salvar energia, mas ele é verdadeiramente um campeão. Mesmo ontem, ele ia a motivar-nos [a mim e o Molano] nas últimas subidas pelo rádio, porque íamos os dois a sofrer bastante. Eu acho que essa foi a chave para nós termos conseguido passar as subidas, e passando as subidas, ele disse-nos imediatamente que ia lançar o sprint, e eu não tive pernas para ajudar muito, fiz só praticamente a colocação do Molano nos últimos 20 quilómetros, até ao último quilómetros, mas para fazer o verdadeiro leadout estava no limite e o Tadej fez um leadout excelente, conseguiu apanhar o Narváez. Acho que o top 3 foi o melhor que conseguimos, perante as condições que tínhamos ontem, e ter uma pessoa com o Tadej é simplesmente gratificante, uma pessoa fica sem palavras, porque não é expectável ele fazer isso, e ele fá-lo. A única coisa que nós podemos fazer por ele é, nas outras etapas, dar 200% por ele, porque sinceramente ele merece tudo.

Oliveira na pista, onde já ganhou campeonatos.
Foto: Peter Klauzner/EPA

Fora do Giro, estás pré-selecionado para os Jogos Olímpicos, tanto na pista como na estrada. Acreditas que essa tua versatilidade aumenta as hipóteses de correres em Paris?

Estando selecionado para as duas, o meu objetivo é ir às duas. Penso que seria importante, percebendo que temos a possibilidade de garantir medalhas com vários corredores na pista, gerir com a estrada essa situação, porque dessa maneira conseguiríamos levar mais atletas, mas ainda assim, o meu principal objetivo é estar nas duas – não há uma que queira fazer mais do que a outra – e estar nos Jogos Olímpicos. Foi isso que espaireci, agora claro que cabe aos selecionadores [José Poeira e Gabriel Mendes] decidir.

Por fim, saiu hoje a notícia de que um futebolista português está sob investigação por ter o irmão-gémeo a jogar no seu lugar. Já pensaste, nos teus momentos de maior sofrimento, em trocar com o Ivo?

Por acaso, nunca pensei (risos). Às vezes uma pessoa está a sofrer e não quer estar ali, mas não é o meu irmão em quem eu penso, porque também não lhe desejo estar ali a sofrer. Primeiro, de certeza que ia escolher alguém de quem eu não gosto tanto (risos)… às vezes é tão duro que uma pessoa tem esses pensamentos, e obviamente que não vou escolher alguém de quem eu gosto para estar no meu lugar.

Agradecemos a Rui Oliveira e à UAE Team Emirates a disponibilidade para nos conceder esta entrevista e desejamos-lhes boa sorte nos próximos desafios!

Foto de capa: Sprint Cycling Agency

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