Depois de um complicado e incerto ano de 2020, Ricardo Vilela foi anunciado recentemente como sendo um dos reforços da formação da W52 – FC Porto para a próxima temporada. Numa longa e agradável conversa, o corredor natural de Bragança falou-nos em exclusivo do que lhe espera o futuro, do estranho ano de 2020 e recordou ainda alguns momentos marcantes da carreira.
A próxima temporada marcará o regresso à estrutura onde esteve antes da saída para o estrangeiro, e o brigantino explica as razões que o levaram a assinar pelos azuis e brancos. “Penso que já estava no tempo de regressar a Portugal, em 2019 tive alguns problemas pessoais que me levaram a refletir sobre o meu futuro no ciclismo. Agora, com 32 anos, dificilmente iria para uma equipa WorldTour, para além disso este ano foi bastante atípico e com o nascimento do meu filho também gostaria de estar mais presente visto que numa equipa além-fronteiras passamos bastantes dias fora de casa”. Ser pai era um dos sonhos que realizou Ricardo Vilela, que agora não esconde que falta realizar o de “envergar a camisola de campeão nacional“.
Ingressando na equipa dominadora do calendário nacional nos últimos anos, Vilela acaba por não esconder que preferiu a estabilidade de uma equipa sólida e não a busca por um papel de líder, nomeadamente na Volta a Portugal. “Não penso nisso [lutar pela Volta] e não regressei a Portugal com esse objetivo, se assim fosse não integrava a equipa que conta com os últimos vencedores da corrida, procurava uma equipa sem líderes absolutos”. Ainda assim não descarta a possibilidade de aproveitar as oportunidades que surgirem, “é claro que temos uma equipa forte e todos têm a sua oportunidade, na Volta ou em qualquer prova em que a equipa participe”. Remata assumindo que estará ao serviço da equipa naquilo que forem os planos do diretor desportivo Nuno Ribeiro e para já o foco é a recuperação, “os objetivos passarão por apoiar a equipa em tudo que esta precisar de mim; para já não temos objetivos pessoais definidos, quero recuperar bem fisicamente, aproveitar estes dias de descanso e desconectar um pouco”.
Recordando o ano de 2020, e a pandemia da COVID-19, o ainda ciclista da Burgos-BH refere que as mudanças foram significativas e “realizar teste COVID antes de cada prova, maior cuidado dentro e fora da equipa e durante a competição” tornou-se obrigatório. Ainda assim, considera que o período de quarentena não foi desperdiçado e que foi fácil manter-se ativo no ambiente pacato do nordeste transmontano: “durante a quarentena treinei igual e talvez mais específico do que num ano normal, aproveitei para melhorar alguns aspetos que não podia se tivesse provas. Felizmente vivo numa parte do país em que, em certas zonas, o movimento automóvel é pouco e, perto de casa com bastante cuidado – para evitar quedas-, consegui realizar os meus treinos”.
Quanto à época a nível desportivo, grande parte do calendário do ciclista português depois do confinamento foi realizado em Portugal. Começou nos Campeonatos Nacionais onde “não fiquei satisfeito, tinha treinado para estar fisicamente bem, e nisso fiquei contente, mas não estive bem no momento em que se formou o grupo que levou a vitória” e, já no Troféu Joaquim Agostinho, “o lugar no top-10 foi satisfatório, vim direto de altitude onde tinha estado 20 dias e não sabia como poderia responder o corpo”. Na Volta a Portugal não conseguiu repetir um lugar nos 10 melhores da geral final, “senti-me bem durante toda a Volta, falhei no dia da Torre o que levou a ficar fora do top-10, que era o meu objetivo.”
Também durante a Volta foi o seu colega de equipa Willie Smit, que decidiu afirmar no Twitter que o ritmo da Volta era bastante alto. “O tweet que ele escreveu foi um dia antes da Volta e teve uma interpretação algo errada. Ele nunca tinha corrido a Volta a Portugal e toda a gente lhe falou de ‘uma saída à portuguesa’, que é rápida e demora em fazer uma fuga“. Para Ricardo essa não é uma questão “o ritmo da Volta ou de outra qualquer prova é igual, depende do teu estado de forma e são os ciclistas que fazem o ritmo”.
Por fim acabaria por ter a sua 4ª participação na Vuelta a España, “quando terminei a Volta estava nos 8 da Vuelta. Devido a fatores externos ‘saltei’ fora o que me levou a desconectar e começar a descansar, mas por motivos de saúde de um companheiro à última hora, 3 dias antes, fui chamado. Ninguém contava, muito menos eu“. Quanto aos objectivos, o ciclista de Bragança não esconde a desilusão, já que “gostava de ter feito mais, tinha alguns dias marcados mas nem sempre corre como nós idealizamos”. Apesar disso, “fazer uma volta de 3 semanas é único e todas [as edições da Vuelta em que participei] foram marcantes, posso dizer que a nível pessoal a terceira semana me afetava muito fisicamente”.
A conversa recuou um pouco mais, concretamente aos anos em que representou a espanhola Caja Rural e a colombiana Manzana Postobón. Em relação à sua experiência, Vilela confidencia que “todas as equipas foram marcantes, mas a Manzana Postobón levou-me a conhecer outro continente, outra cultura”. Esta resposta foi pretexto para comparar o ciclismo europeu e o colombiano, onde “existem diferenças muito grandes: a nível de condições e forma de correr o ciclismo na Colômbia pode comparar-se ao ciclismo amador europeu, mas na minha opinião o público colombiano vive mais o ciclismo”. Nesta aventura pela Colômbia, o atleta português recorda que “dormia a 2700 metros de altitude e treinava a 2000 metros, mas também podia subir a 3600 metros de altitude numa subida ‘banal’ na região em que estava”.
O sucesso dos jovens portugueses no Giro não fugiu à conversa e foi alvo de uma retrospetiva do que tem sido a passagem dos portugueses lá fora. A visão de Ricardo Vilela é ponderada, “acho que não nos podemos esquecer que, desde 2004 para cá, temos cada vez mais ciclistas a correr além-fronteiras e muito podemos agradecer ao Sérgio Paulinho pela medalha em Atenas 2004, ao Rui Costa pelo mundial de 2013, entre outros”. Mas não esquece a exibição de João Almeida, a quem deixou rasgados elogios “O João faz parte deste trabalho que já se foi realizando ao longo dos anos. A isso junta-se o seu grande potencial e ambição, que já tinha demonstrado nas camadas de formação em Portugal e fazendo o seu percurso sub23 no estrangeiro [Uniero e Axeon]… O que ele fez no Giro foi maravilhoso e poderá levar a algumas equipas olhar para os nossos jovens de outra forma e cada vez com tenra idade“.
Mas, segundo ele, nem tudo são rosas no que respeito ao mundo da formação de atletas em Portugal. Ricardo pensa que “há uma pequena falha na formação dos sub-23… É certo que correndo com os elites podem melhorar, e compreendo que não temos equipas suficientes no escalão sub-23 para existir um calendário específico para este, mas a nível de resultados pessoais é mau, já que os resultados pessoais são os que nos dão motivação e ambição para seguir dia a dia a treinar e querer melhorar, para um sub23 de 1º ano medir-se com alguém com muita mais experiência é difícil.” A questão que importa, segundo Vilela, é “quantos bons ciclistas ficam pelo caminho com o choque de mudança de categoria? Muitos deles estão habituados a ganhar em juniores e, quando passam a sub-23, não conseguem chegar no pelotão…”. Ainda assim conclui de forma positiva, dizendo que “não somos menos do que ninguém e temos muito potencial jovem em Portugal”.
Perguntas de algibeira a Ricardo Vilela:
PCM – Como é o ambiente dentro de uma estrutura como a Burgos – BH?
RV – Um ambiente normal, tranquilo. Não é uma equipa grande, logo não há muitas nacionalidades e tanto ciclistas como staff falam espanhol.
PCM – Quem é a pessoa mais brincalhona dentro da equipa? E a mais engraçada? E ainda a mais teimosa?
RV – Posso dizer que Ángel Madrazo encaixa bem nessas 3.
PCM – É difícil conciliar a vida familiar com a sua vida profissional?
RV – Não é difícil quando temos alguém ao nosso lado que nos apoia, mas passamos bastante tempo fora de casa entre treinos, estágios, competições e viagens.
PCM – Para si quem é o melhor ciclista da atualidade? E qual é aquele que mais gosta de ver correr?
RV – Para mim o melhor ciclista da atualidade é Chris Froome. O que mais gosto de ver correr no ativo e que no próximo ano fará a sua última época desportiva é Alejandro Valverde, apesar da sua idade e anos de profissionalismo parece um jovem.