O ciclista porto-riquenho discute a sua trajetória, com destaque para a Volta a Portugal que correu pela Movistar, e José Azevedo analisa o seu início de época na EFAPEL Cycling.
Abner González tem 23 anos e nasceu em Porto Rico, ilha das Caraíbas que não é propriamente conhecida pelo ciclismo, mais por artistas como Ricky Martin ou Jennifer López. Com efeito, é provável que González seja “o primeiro ciclista profissional na história de Porto Rico”, um título que lhe estampa um sorriso no rosto. Foi com o sorriso de quem está a ‘aproveitar a vida’, à medida que vai concretizando o sonho de ser ciclista profissional, que Abner acedeu ao nosso pedido de entrevista, no mês de dezembro, com a expetativa mas ainda sem garantia de que esse sonho o levaria até Portugal e à EFAPEL Cycling.
Com a época nacional de ciclismo em andamento, a Portuguese Cycling Magazine divulga a entrevista de Abner González, complementado-a com a análise de José Azevedo ao desempenho do mais recente reforço da sua equipa, que já conseguiu um 3º lugar na Volta ao Alentejo.
Como começaste a andar de bicicleta? Tiveste alguma referência?
“Em Porto Rico não temos uma grande cultura de ciclismo: se és ciclista em Porto Rico, és um tipo estranho (risos). O meu irmão andava de bicicleta por diversão e eu comecei a pedalar com ele para lugares que não podíamos ir a pé ou de carro. Perto da minha cidade faziam uma corrida, era grande na altura, então o meu irmão motivou-me para ver se começava a estar no ciclismo de forma profissional. É uma loucura, porque eu não sabia nada de ciclismo, sabia que podia pedalar mas nada mais (risos). Fiz a prova sem nenhuma experiência, mas venci e comecei a ter a adrenalina e a emoção pelo desporto. A partir daquele dia, continuei a andar de bicicleta e a lutar pelos meus sonhos.”
Depois dessa primeira corrida, quando é que o ciclismo se tornou mais sério para ti?
“Um ano depois da corrida, a seleção nacional escolheu-me para os Campeonatos das Caraíbas, acho que na República Dominicana. Foi a minha primeira corrida fora de Porto Rico e corrida internacional. Ganhei a medalha de bronze no contra-relógio. Quando percebi que não era bom apenas em Porto Rico, que também era bom fora de Porto Rico, comecei a sonhar ‘talvez isto seja a minha praia, posso fazer grandes coisas aqui e trazer alguma esperança para a ilha’. Na altura não tínhamos ciclistas profissionais. Sou o primeiro ciclista profissional na história de Porto Rico.”
Depois de correr nos Estados Unidos, ingressaste numa equipa amadora espanhola. Como foi a tua adaptação à Europa? Em termos de corrida, quais são as maiores diferenças?
“Foi muito difícil. Corri na Europa no primeiro e segundo anos de júnior. Não sei porquê, mas no último ano de júnior não consegui encontrar uma equipa para o ano seguinte. Eu era apenas um ciclista a aproveitar a vida, bastante forte na Espanha, mas não tinha experiência em negociação com equipas. Encontrei uma equipa em LA [Los Angeles] com um amigo, então morei em LA por um ano e comecei a correr nos EUA. É um mundo totalmente diferente da Europa, e o ciclismo nos Estados Unids é mais explosivo e parecido com as Clássicas: se fores o mais maluco do pelotão, ganhas corridas (risos). Aqui é mais temporizado, mental e de equipa. Quando me mudei novamente para a minha segunda temporada de Sub-23 na Europa, ‘bati numa parede’. Tive que aprender outra vez a movimentar-me no pelotão, a ser agressivo de uma forma mais tática, não apenas ser forte e atacar, mas pensar o tempo todo. Foi muito difícil readaptar-me ao ciclismo europeu.”
A palavra ‘aproveitar’ está sempre presente no teu discurso. Dirias que é o teu lema pessoal no ciclismo?
“É o meu lema pessoal na vida, estou sempre feliz em tudo! Claro que no teu trabalho tens dias difíceis de que não gostas tanto, mas a vida é assim difícil, tens que passar e processar. Tudo o que faço, procuro fazer com paixão. Se não estou a gostar do que faço, não vou fazer um bom trabalho e desenvolver-me.”
Como é que esse lema encaixou na Movistar Team? Como foste recebido na equipa?
“No meu segundo ano de Sub-23, voltei para Espanha e se corres bem num país, é claro a tua equipa de sonhos será uma grande equipa desse país, e eles podem estar a observar-te; foi esse o caso. Estive bastante forte no meu segundo ano de Sub-23, venci duas corridas, fui bastante competitivo a temporada inteira e voei na última parte. Não é muito comum ser bom o ano inteiro e depois terminar a temporada ainda melhor, mas esse foi o ano da pandemia, por isso as maiores corridas em Espanha foram no final da temporada. Comecei a negociar com equipas profissionais, e uma dessas equipas foi a Movistar. Tendo a possibilidade de assinar com a maior equipa de Espanha, aceitei. Assinei com a Movistar por 3 anos e foi a concretização de um sonho.
[Fui recebido] muito bem. Como eles tentam fazer com que todos se sintam confortáveis e integrados, senti-me muito bem na equipa. Foi uma grande honra estar na mesma equipa do Imanol [Erviti] e do [José Joaquín] Rojas, agora reformados. Foi uma experiência incrível e ainda mais incrível pela forma como eles me trataram.”
Numa entrevista passada, citaste a Volta a Portugal como a tua corrida preferida na Movistar. Conta-nos tudo sobre a corrida. Esperavas liderar a equipa? Como te sentiste na Torre? Ficaste feliz com o resultado final? O que aprendeste sobre ti próprio?
“Quando a equipa me disse que eu ia fazer a Volta a Portugal, fiquei super feliz, porque era um desafio para mim. Eu estava a ter um bom ano, estava forte e a desenvolver-me muito. Preparei-me durante um mês inteiro, fiz altitude em Andorra e treinei com força. Quando cheguei a Portugal, estava no meu prime!
Quando tive a primeira reunião com a equipa, não era o líder, era apenas mais um gregário. Mas quando a Volta começou, eu estava sempre perto [da frente]. E aí a 3ª etapa foi a Torre, que decide grande parte da prova. Eu estava-me a sentir super bem, como se estivesse a voar, então disse para mim mesmo ‘ok, vais estar lá para o teu companheiro, mas se ele não se sentir bem ou não lutar pela geral, é o teu tempo, não tens muitas destas oportunidades”. O meu companheiro de equipa não se estava a sentir muito bem naquele dia e disse-me para fazer a minha própria corrida, então tive um papel livre e comecei ‘o meu jogo’. Todos começaram a atacar durante a subida, eu fui acompanhando cada ataque, e no final comecei a atacar também, deixei alguns ciclistas para trás e terminei em 3º naquela etapa. Foi uma etapa de sonho: percebi que não era apenas alguém que virou profissional, era alguém com possibilidades de vencer etapas e lutar pela geral.
Fiquei [feliz com o resultado]. Quando apanhei o voo para Portugal estava a pensar em fazer uma Volta boa, não estava a pensar no que iria conseguir no final da corrida. A única vez antes em que estive perto do pódio foi no País Basco, mas numa corrida de um dia [Circuito de Getxo]. Toda a gente me dizia que era a ‘Grandíssima’, o Tour de France do país, e talvez eu não fosse tão bom na corrida. No final, tendo lutado pela geral, ainda estou muito feliz com o resultado.
Aprendi muito. Portugal é um lugar muito difícil para correr, não só pelas subidas e pelo clima, mas também pelos ciclistas; existem ciclistas muito fortes nessa altura da temporada. É a maior corrida das equipas portuguesas e elas voam. Também estás em ótima forma, mas já correste muito antes, então também estás um pouco cansado, enquanto eles estão apenas a preparar a corrida. Todos os dias eu aprendi de todas as formas, não só na forma de correr, mas também na forma como precisava me alimentar, porque estava calor e foram quase duas semanas de corrida.”
Foi neste tema que terminou a entrevista de Abner González no mês de dezembro. Na altura, o ciclista porto-riquenho partilhou que não iria continuar na Movistar Team e, por essa razão, via Portugal como opção para continuar a sua carreira. Depois de longas negociações, assinou contrato com a EFAPEL Cycling para a temporada de 2024. No laranja da equipa comandada por José Azevedo, Abner González já correu a Figueira Champions Classic e a Volta ao Algarve, mas foi na Volta ao Alentejo que mais se destacou, alcançando o 3º lugar na etapa-rainha da prova e garantindo depois esse mesmo lugar no final. Foi precisamente nessa etapa, em Castelo de Vide, que a Portuguese Cycling Magazine entrevistou o diretor desportivo português, que de forma simpática respondeu às nossas questões.
O Abner González fez uma grande 4ª etapa da Volta ao Alentejo, subindo ao 3º lugar da classificação geral. Pode-nos falar um pouco deste ciclista?
“É um ciclista que já demonstrou o seu valor nos últimos anos. Para nós, é uma mais valia e um bom reforço para a equipa, pela sua experiência e capacidade especialmente nas etapas de montanha. Se o nosso grupo da montanha já era bastante forte, a vinda do Abner ainda fortalece mais. Hoje [4ª etapa da Volta ao Alentejo], fizemos uma corrida bastante agressiva e no final ele esteve bem na frente. Faltou-lhe aquela ponta de velocidade e o facto de não ter competido muito acabou por prejudicá-lo. Mas é um corredor que é um excelente trepador, que já demonstrou, e penso que irá demonstrar mais vezes, a sua qualidade.”
Como é que a EFAPEL Cycling conseguiu contratar o Abner González?
“Por vontade das duas partes: vontade da parte do Abner vir para a equipa, por vários contactos com o seu empresário, e também vontade nossa em pudê-lo ter. No final, após várias conversas, o período de negociações – que durou algum tempo – acabou por se concretizar e penso que ambas as partes estão satisfeitas.”
Sabendo que ainda falta toda a preparação, acredita que este 3º lugar pode ser ainda melhor daqui a uns meses, na Volta a Portugal?
“Deus queira que sim. O objetivo desta equipa é, em todas as provas, lutar pelo primeiro lugar. Temos o Abner, o Joaquim [Silva], o Henrique [Casimiro] e o Pedro Pinto, que é um corredor jovem que se vai afirmando especialmente na montanha. Temos o Tiago [Antunes], que é um ciclista bastante rápido em provas de uma semana, e o [Santiago] Mesa, um sprinter que contratámos. Para a Volta, logicamente que vai haver uma definição dos corredores e de lideranças, mas felizmente temos várias opções.”
Agradecemos a Abner González, a José Azevedo e à EFAPEL Cycling a disponibilidade para nos colaborarem nesta entrevista, e desejamos-lhes boa sorte nos próximos desafios!
Foto de capa: EFAPEL Cycling