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“Se eu trabalhar bem, os ciclistas vêm até mim” – Entrevista com Alex Carera, agente de Tadej Pogačar

A&J. Alex e Johnny, os irmãos Carera, agentes de atletas de all sports (todos os desportos). Quem teve a ideia?

Começámos como agentes no ciclismo a partir de março de 1997; o meu irmão e eu temos a A&J All Sports há 29 anos. Entendemos que os ciclistas precisavam de profissionais próximos deles, para ajudá-los a gerir as suas carreiras. A nossa filosofia é bastante clara: somos todos os problemas que eles têm.

A A&J All Sports começou com dois ciclistas: Damiano Cunego e Romans Vainsteins. Quais foram os maiores desafios ao início?

No início, o maior desafio era encontrar um lugar no ciclismo e depois ajudar os ciclistas. Quando comecei, o meu objetivo não era ser um dos melhores agentes do mundo, era ajudar os ciclistas. Se eu trabalhasse bem, os ciclistas viriam até mim, e foi isso que aconteceu ano após ano.

De todos os grandes nomes do ciclismo que agenciaste, Vincenzo Nibali destaca-se claramente, sendo também italiano. Como apoiaste o ‘Tubarão’ durante a sua carreira?

Não é fácil agenciar o ‘Tubarão’ (risos). Contratei-o quando estávamos no Campeonato Mundial no Canadá [Hamilton 2003]. Ele era sub-23 e permaneceu connosco durante toda a carreira. Às vezes discutimos porque não temos as mesmas opiniões, mas trabalhamos juntos de forma transparente. Agora mantemos contacto todas as semanas e ficámos próximos dele quando ele perdeu mais do que quando ganhou. Quando ele vencia, não precisava de muita ajuda, mas quando ele perdia corridas ou caía, era mais importante ficarmos perto dele.

Consegues recordar esses momentos em que ficaste perto do Nibali?

Lembro-me de duas vezes em particular. [A primeira vez] quando ele caiu nos Jogos Olímpicos [Rio 2016], e veio para a Itália, mas a esposa dele não estava na Itália. Aí passámos uma noite junto dele, porque ele estava sozinho no hospital. E a segunda vez foi quando o fui buscar depois da queda no Alpe d’Huez e levei-o para a sua casa na Suíça. Ele ficou um pouco dececionado, porque tinha a oportunidade de vencer o segundo Tour de France, mas caiu porque um fã tocou nele. Estes são os momentos em que temos de ficar perto dos outros.

Nibali é um dos grandes ciclistas agenciados por Carera.
Foto: Ansa-Peri-Di Meo-Zennaro

Atualmente, és mais conhecido por agenciar o Tadej Pogačar. Como é que o descobriste e ao seu talento?

Quando ele era júnior, venceu o Giro della Lunigiana, a prova mais importante da categoria júnior [em Itália]. Avistei-o facilmente: ele estava sozinho, porque nenhum companheiro de equipa conseguia ajudá-lo. Depois de cinco minutos de conversa com o Andrej Hauptman [treinador de Pogačar] e ele, percebi que ele tinha um grande talento. [Dois anos depois], pedi ao Andrej para falar com ele [Pogačar], pois queria convidá-lo. Mostrei-lhe a agência, porque o Nibali e outros ciclistas estavam conosco em 2018. Disse ao Andrej que somos tipos sérios e decidimos começar a trabalhar juntos. Ano após ano, ele chegou ao topo do mundo.

Quando conheceste aquele jovem promissor esloveno, acreditavas se alguém te dissesse que ele ganharia um Giro, dois Tours e seis monumentos aos 26 anos?

Impossível! Era impossível pensar, em 2018, que ele conquistaria seis monumentos, três grandes voltas e mais 3 pódios em grandes voltas em tão pouco tempo… e uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos e outra medalha de bronze nos Mundiais. Impossível! Desejava que ele pudesse se tornar num dos melhores ciclistas do mundo, mas ano após ano, percebi que ele não é apenas o melhor ciclista do mundo; ele é uma lenda em toda a história do ciclismo.

No Giro d’Italia, vimos possivelmente o Pogačar mais forte de sempre. Com a possibilidade de completar uma dobradinha histórica no Tour, qual é o teu conselho para ele?

O meu primeiro trabalho é ajudá-lo a manter o foco na vitória, sem muitas obrigações com patrocinadores e comunicação social. É o meu papel e tenho trabalhado nisso. Atualmente, sempre que ele inicia uma corrida ele quer vencê-la, então tentará vencer o Tour também. É um grande desafio, não é fácil com certeza, mas também tenho a certeza de que ele lutará pela camisola amarela. No ano passado, sofreu uma lesão na Liège, mas trabalhou muito e, no final, venceu 3 etapas e subiu ao pódio. Certamente que o próximo Tour de France será um grande evento para todos os fãs, e gostaria de convidar todos a acompanhar o Tour de France!

Acreditas que o Pogačar pode ser um embaixador de todo o desporto, como o Rafael Nadal no ténis ou o Lewis Hamilton na Fórmula 1?

Atualmente, ele não é diferente de Nadal no ténis, do Michael Jordan no basquetebol ou do Tiger Woods no golfe. Ele tem o mesmo impacto no ciclismo, porque além de ser o melhor, está próximo dos fãs e das crianças. O que vimos no último Giro, ele a oferecer a sua camisola ao Pellizzari ou a dar o seu bidon às crianças, mostra o seu grande impacto no nosso desporto, porque muitos fãs gostam dele, e ciclistas também gostam dele. Acredito que ele é muito popular também porque sorri o tempo todo; ele é feliz na bicicleta e adora este desporto.

Correm rumores de que o Pogačar vai assinar um novo contrato com a UAE Team Emirates…

Estamos em conversações há muitos meses sobre por que ele quer assinar o contrato. Talvez possamos encontrar uma solução antes do Tour, ou depois do Tour, mas não é a nossa prioridade. A nossa prioridade é que todas as partes, toda a staff e os ciclistas estejam felizes [com ele] na equipa, e que a equipa esteja feliz com ele.

Se tivessem dito a Carera, em 2018, tudo o que ‘aquele jovem esloveno’ ia conquistar, ele não acreditava.
Foto: Fizza/UAE Team Emirates

Entrevistado pela Portuguese Cycling Magazine, o agente João Correia rejeitou os tetos salariais no ciclismo porque “os ciclistas ainda são mal pagos”. Concordas com ele?

Acho que um teto salarial é uma ideia estúpida, porque o sistema usado na NBA é um assunto completamente diferente; cada equipa de ciclismo tem regras diferentes no país onde está registada. Penso que a melhor equipa e o melhor diretor são os melhores porque conseguem arranjar mais dinheiro para ter os melhores ciclistas. Portanto, um teto salarial não é uma solução para criar mais competição entre as diferentes equipas. Não, a solução é trabalhar melhor em nutrição, equipamentos e assim por diante. O melhor diretor também encontra os melhores talentos. Às vezes não é porque tens mais dinheiro que podes ter a certeza de obter mais resultados; caso contrário, não haveria competição.

A comercialização do ciclismo está a acelerar, com grandes marcas internacionais (Red Bull, Decathlon…) a entrar no nosso desporto. Qual é o seu impacto?

O impacto é muito grande. À Red Bull ou Decathlon, adiciono Jayco ou Tudor. É muito importante, porque são exemplos de que, se as pessoas adoram ciclismo, as grandes marcas adoram ciclismo. Não beneficia apenas as equipas e os ciclistas, mas todas as partes, até mesmo a imprensa. Se houver mais dinheiro no nosso desporto, o bolo é maior e todas as partes podem comer uma fatia maior.

O ciclismo tende a produzir receitas baixas, sendo os direitos de transmissão do Tour de France comparativamente pouco valorizados no desporto. As grandes marcas podem mudar esta situação?

O ciclismo é o melhor desporto do mundo para promover uma marca, porque o nome da marca é o nome da equipa. Quando o Real Madrid ganha a Liga dos Campeões, é o Real Madrid e não a Emirates, também na camisola. O ciclismo oferece o melhor retorno de investimento para cada patrocinador. Agora há algumas boas marcas, mas no futuro espero que diferentes empresas abram os olhos e invistam mais dinheiro no nosso desporto. Porque é o melhor desporto do mundo!

Página 2 (Português)

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