Opinião

Em defesa de Remco “putaço”

Em defesa de Remco “putaço”

Uma vez mais, a polémica voltou a estalar para além do ponto desportivo! Desta vez, aconteceu no final do campeonato da europa de estrada, no sector masculino. Foi uma das grandes corridas deste ano de 2021 e Remco Evenepoel foi protagonista dentro e fora da estrada, tendo marcado uma batalha até ao risco de meta com Sonny Colbrelli, batalha essa onde imperou a lógica e o italiano venceu, confirmando de resto o grande favoritismo que já lhe era apontado à partida para a prova.

O caso veio depois…Remco Evenepoel sentou-se junto às barreiras de proteção a ganhar fôlego depois da grande exibição que havia feito, sendo desde logo rodeado por staff da equipa belga, fotógrafos e membros da organização. Poucos segundos depois, exibe um “manguito”, apesar de ter sido tapado um pouco na imagem por alguém que estava na frente do belga. Não sabemos muito bem se em resposta a alguém que lhe dirigiu a fala (a mim, parece-me que sim, uma vez que ele dirige o olhar a alguém que ali está perto), diretamente a Sonny Colbrelli ou se simplesmente o fez “para o ar” expressando a natural frustração que sentia após perder. Como diriam os nossos irmãos brasileiros: Remco ficou “putaço”.

O momento da “explosão” de Evenepoel

A verdade é que este gesto desencadeou todos os julgamentos e mais alguns sobre o prodígio belga, sendo apelidado de mau-perdedor, imaturo, arrogante ou chorão. Acho todas essas conclusões baseadas nesta atitude de Remco Evenepoel são injustas e precipitadas, muito menos que se use esta pequena fração para fazer uma sentença para a eternidade, juntando a isso ainda o amargor de uma falange do público português que não consegue esquecer os eventos do Giro d’Italia e para quem Remco será o mau da fita até ao fim dos seus dias.

Isolar um momento de frustração de um desportista para o descredibilizar não é novidade, e acontece em todos os desportos, e o público não gosta de atitudes enfant terrible como a de Remco Evenepoel, que o diga também Peter Sagan e o quão polémicas foram as celebrações quando ganhou as primeiras etapas na Volta a França, no ano de 2012. Um corredor manifestar a sua frustração não deve ser motivo para julgamentos sumários, porque eles, como qualquer pessoa, não vivem numa redoma em que nada lhes toca. O que será que mostra mais a dimensão humana de uma atleta que parece ser capaz de fazer coisas sobrenaturais do que a sua frustração perante a derrota? Haverá algo mais comum do que ter as emoções à flor da pele depois de um momento de extremo esforço?

Se tantas vezes nos queixamos de frases feitas e discursos preparados dos desportistas, é no mínimo antagónico que não se compreenda que alguém desabe num momento tão importante como aquele de Remco Evenepoel, quando beirou a conquista mais importante da sua curta carreira desportiva. Este gesto não faz, nem pode fazer, do belga o monstro que tentaram pintar. Tal como na outra ponta do espectro não podemos carimbar como falhado, mimado ou fraco quem chora.

Um dos meus jornalistas desportivos favoritos, o brasileiro Marcelo Bechler, explicou muitas vezes no seu podcast “Não é só futebol” que na flash interview é possível sentir a tensão logo depois do jogo, porque aquele jogador vem de 90 minutos de batalha, a cheirar a relva, a insultar e a ser insultado pelo adversário e a “querer matar” quem está do outro lado. A reação de Remco Evenepoel é isso mesmo, é o exteriorizar da frustração de quem passou mais de quatro horas a querer matar e acabou morto, de quem deixou tudo na estrada e certamente queria mais, como todos os ciclistas que saem para uma corrida, Remco não gosta de perder e isso é do mais autêntico e genuíno que pode haver, e se recordarmos o caso de Mark Cavendish, que era só paz e amor nas entrevistas do Tour 2021 e depois desatou aos berros com o mecânico da equipa por um detalhe vemos que nem sempre tudo o que parece é. Podemos apontar muito coisa a Remco Evenepoel, mas de fingir e atuar perante as câmaras certamente não é uma delas.

Se gostamos do ciclismo e o queremos ver mais popular, personagens como Remco, Cippolini, Peter Sagan, Mathieu Van der Poel, Nibali e tantos outros de personalidade forte são necessários. São eles que encantam o público e arrastam adeptos fanáticos. Também haters igualmente intensos. Mas O que Seria do Branco Se Todos Gostassem do Amarelo?

Por mais manguitos, por mais murros na mesa, por mais gente a chorar, por mais capacetes atirados ao chão, por mais raiva, por mais frustração, por gente com sangue na guelra, por mais gente “putaça”.

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