O resultado final da Volta a Espanha passou para segundo plano, desde sábado o assunto que mais diverte os adeptos do ciclismo é a novela entre Miguel Angel López e a Movistar. Quem viu a etapa 20 da Vuelta sabe perfeitamente do que falamos (e quem não viu pode ouvir o PCMcast desta semana onde muito falámos sobre o assunto), Miguel Angel López abandonou a corrida no decorrer da etapa depois de ter sido apanhado entre as movimentações dos homens da geral e ficar sem opções de manter o seu lugar de pódio. Seguiu-se uma novela colombiana com declarações dos familiares de López nas redes sociais e à imprensa do seu país a afirmar que a equipa não queria que o Superman perseguisse a frente de corrida. O ciclista acabaria o dia a fazer um comunicado a pedir desculpa aos colegas e staff da equipa, num ato que foi visto por muitos adeptos como uma mera cordialidade preparada pelo departamento de imprensa para acalmar os ânimos. Mas desde cedo a questão foi lançada: poderão López e a Movistar seguir de mãos dadas para 2022? A resposta mais óbvia parece o não e existem até noticias que dão conta de que as partes tentam chegar a um consenso para seguirem caminhos diferentes para o novo ano. Mas aqui vamos fazer um raciocínio inverso e defender a opção que parece menos lógica: porque é que López e a Movistar devem seguir juntos em 2022.
A razão mais óbvia é um facto que aconteceu ainda antes de começar a Volta a Espanha, o corredor renovou até 2023, o que mostra que até este evento o casamento entre as partes era feliz e estava para durar. Por um lado, se não houver consenso entre as partes, este contrato pode no final das contas valer a continuidade do colombiano na equipa, mesmo a casa estando de candeias às avessas, a não ser que alguma das partes queira arriscar que uma rescisão unilateral se arraste em tribunais. Por outro lado, uma rescisão neste momento iria deixar destapada uma ferida que está a jorrar sangue e a imprensa colombiana e espanhola particularmente seriam palcos de um lavar de roupa suja de lado a lado, como já vimos nos últimos dias. Mais uma época iria deixar a poeira assentar e este caso passaria para um segundo plano, e como sabemos um ano ajuda a fazer esquecer muitas polémicas.
O outro ponto que se levanta é desportivo. A qualidade de López é inegável e mesmo que o clima possa estar mau entre o colombiano e os outros “capos”, nomeadamente Enric Mas, continua a haver calendário para o corredor poder atuar sem sequer cruzar-se com o espanhol. O Giro d’Italia onde já terminou no pódio é um caminho possível para se desenhar um calendário competitivo para o homem de Boyaca e não podemos ignorar algo que é factual, López é o corredor que mais venceu para a equipa este ano e a única vitória em grandes voltas. Conjugado a isto, temos também o mercado que já vai longo e, apesar da Movistar ter algumas soluções muito encaminhadas para regressar à sua equipa (nomeadamente os manos Izagirre, Alex Aranburu ou Ivan Ramiro Sosa, mas ainda assim nenhum deles se pode afirmar um substituto à altura de López), a equipa já perdeu Marc Soler, portanto esta saída iria enfraquecê-la mais. Não esquecendo o factor comercial, a Movistar é uma marca com grandes interesses na América do Sul e tem sempre no seu plantel um líder forte oriundo daquela zona do planeta, como foram os casos de Nairo Quintana e de Richard Carapaz. Neste momento, apesar da patente instabilidade na relação entre as partes e da animosidade dos adeptos colombianos contra a equipa, López continua a ser certamente um nome que agradará ao sector comercial da marca telefónica no mercado sul-americano.
Por último não podemos esquecer que a Movistar é capaz das soluções mais improváveis e contrariando toda a lógica. Se puxarmos a cassete atrás temos como exemplo vídeo do Tour de 2019, em que perante a cisão evidente entre o trio Landa, Nairo e Valverde a equipa decidiu lançar um vídeo nas suas redes sociais onde os três ciclistas afirmavam a unidade da equipa e o seu bom ambiente, com uma boa disposição digna de um defesa que acabou de marcar um golo na própria baliza. Ao contrário das expectativas, a equipa trabalha sob a lógica particular de Unzué, que pode ser um pai impaciente num dia e um avô caridoso no outro. Por isso, se passados alguns dias, Movistar e López fingirem que nada aconteceu e seguirem juntos, não podemos dizer que não fomos avisados. Faz parte da natureza de ambos contrariar o senso comum.