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Ciclismo de Pista 101: Europeus 2024 com Tata Martins

Num cenário de conquistas, Maria “Tata” Martins emerge como uma força imparável no ciclismo português. Atualmente, é detentora do título de Campeã Europeia de Scratch, mas as suas conquistas abrangem não só pista, mas também a estrada, onde fez história pelo ciclismo português ao tornar-se na primeira ciclista feminina a correr no World Tour.

Enquanto nos aproximamos dos Campeonatos Europeus de Ciclismo de Pista 2024, que se irão realizar nos Países Baixos de 10 a 14 de janeiro, conversámos com uma das protagonistas da Seleção Nacional de Pista e, em conjunto com ela, reviemos as suas conquistas passadas e aspirações para os Jogos Olímpicos 2024, bem como o ambiente e os objetivos da nossa seleção. Assim, nesta entrevista exclusiva, exploramos não apenas o presente, mas também os horizontes futuros do ciclismo de pista com uma das atletas mais promissoras de Portugal!

Campeã da Europa de Sracth

Tata Martins é um dos maiores ativos da seleção nacional de pista desde o seu tempo como sub-23, e logo no seu primeiro ano como elite, em 2023, venceu a corrida de Scratch nos Europeus de Pista em Grenchen, Suíça, num verdadeiro espetáculo de habilidade, estratégia e paixão. O ‘mano a mano’ com a espanhola Eukene Larrarte marcou esta conquista, com as duas ciclistas a isolarem-se do pelotão a 10 voltas do final, graças à desorganização das preseguidoras. A última volta representou um momento intenso, mas o qual Tata Martins aliviou ao não apenas manter a liderança, mas também relevando o seu poderio no final, conseguindo celebrar o seu título de forma segura, naquela que foi a culminação de uma corrida excecionalmente executada.

Ao reviver este momento, a protagonista admite ter-se sentido surpreendida na altura, pelas mais variadas razões. Mas o ciclismo, especialmente o de pista, vai muito para além da força bruta, como coloca em evidência este título, alcançado principalmente pela inteligência, marca identitária de Tata Martins como ciclista. Quase um ano depois, o título europeu tornou-se parte indelével da sua carreira.

Qual foi a sensação de te sagrares campeã europeia em Scratch?

Tata Martins: “Foi uma prova que eu não estava à espera, por estar a competir no nível de elite e não estar no meu pico de forma. Eu estava a andar bem, mas longe de conseguir pensar sequer em lutar pelo título. Eu sei que o ciclismo é muito mais do que força e potência, e este título é a prova disso; foi uma conquista que eu alcancei à base da inteligência e da tática. Basicamente é o que me define, sou inteligente a correr, sou boa tecnicamente, tenho um bom posicionamento e sei ler bem a corrida. Mas isso também me faz pensar que foi tão especial e inesperado que acabou por ser uma sensação brutal. É um título, e um título que ninguém me tira. Está marcado.”

As conquistas de atletas como Tata Martins refletem uma longa jornada de dedicação, que viveu um capítulo emocionante nos Jogos Olímpicos de Tóquio’2020, com a conquista um diploma olímpico com as cores de Portugal, graças ao 7º lugar no Omnium.

Tata Martins: “Eu sinto que os Jogos me marcaram muito. Foi sem dúvida um dos passos que eu dei que mais me marcaram, como pessoa e como atleta. Considero que essa foi ‘A corrida’ e que, a partir daí, tudo foi diferente na minha vida, a arranjar patrocinadores, a arranjar equipa… de facto, um diploma olímpico é algo que mexe. Este título de campeã da Europa também tem impacto, mas não senti tanto do exterior. Senti mais para mim, era algo que queria alcançar, já tinha o título em sub-23, mas elite é elite. É um feito que teve, a nível pessoal, muita importância.”

Jogos Olímpicos de Tóquio 2020

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, mais concretamente no Velódromo de Izu, Tata Martins conquistou um impressionante e histórico 7.º lugar no Omnium do ciclismo de pista. Ao longo da competição, a ciclista portuguesa alcançou um notável desempenho: 7ª na corrida de scratch; 8ª na corrida por tempo e 5ª na eliminação. À partida para a última disciplina que constitui o Onmium, a corrida por pontos, Tata Martins estava na 6ª posição da geral, permaneceu no grupo da frente e foi acumulando pontos nos sprints intermédios. Contudo, a apenas 1 ponto da experiente Laura Kenny (Reino Unido), a portuguesa acabaria por ser ultrapassada nos metros finais, terminando em 7.º lugar.

Volvidos 3 anos do momento-chave da sua carreira, a atleta ainda se debate com o impacto da sua participação em Tóquio, procurando compreendê-lo em toda a sua complexidade. Em concreto, ela debate-se com um sentimento dual, um orgulho com toque agridoce, uma vez que gostaria de ter vivido esta experiência ao lado dos colegas de seleção, mas esse apuramento não foi alcançado.

Qual a sensação de ser a atelta pioneira nos Jogos Olímpicos na vertente de pista (tanto no setor masculino como feminino)? Como é que esta conquista foi vivida por ti e pela seleção nacional de pista?

Tata Martins: “Até regressar e passarem-se uns bons meses depois dos Jogos, eu ainda não tinha bem noção do que tinha alcançado. Ir aos Jogos é algo, só por si, brutal, sendo que nunca esperei alcançar esse sonho tão cedo…e só me caiu a ficha passado uns meses. Eu só comecei a valorizar tudo aquilo que alcancei em Tóquio, e previamente a Tóquio, um ano depois. Hoje em dia, eu começo a perceber que foi um feito mesmo importante. Eu valorizo mais tudo o que eu alcancei naqueles 2/3 anos ao dia de hoje do que na altura valorizei, e sinto orgulho em ser a primeira de toda a história da pista. Mas tem um sentimento agridoce, porque os atletas masculinos falharam essa qualificação e, para mim, teria sido ainda melhor ir com eles e ter essa experiência com eles; se Deus quiser, vamos ter agora em Paris. Tudo o que é partilhado em equipa, com este grupo que nós temos e é uma família, tem outro sabor. Posso dizer que, para mim, foi complicado todo o processo de qualificação e isso faz-me pensar que aquilo que fiz tem muito valor. Agora consigo dizer isto, na altura não.”

Campeonatos Europeus de Pista 2024

Tata Martins tem o seu foco bem direcionado para a classificação para os Jogos Olímpicos 2024, na vertente de Omnium, e para a qual os Europeus têm uma grande importância. A atleta ressalva que não estará no seu pico de forma, uma vez que ainda só estamos em janeiro e o objetivo é ter a melhor condição física ao longo das competições mundiais (Taças do Mundo). As suas expectativas são, por isso, realistas, visando uma boa prestação e resultados sólidos que a mantenham na corrida pela qualificação para Paris. Embora evite a expectativa de lutar por medalhas, a atleta almeja disputar o Top-10, um objetivo que não apenas considera alcançável como também permitiria continuar no bom caminho até os Jogos de Paris.

Quais são os teus principais objetivos para os Campeonatos da Europa de 2024?

Tata Martins: “O meu foco é a qualificação [olímpica], e os Europeus contam para essa qualificação. Portanto, o Omnium é a minha prioridade e depois, certamente, vou fazer mais uma corrida e a Daniela [Campos] faz outras duas. Para ser muito honesta, olhando para a qualificação, eu quero chegar aos Europeus bem, mas longe da minha melhor forma. Aliás, estamos em janeiro e não quero atingir o meu pico de forma já, quero prolongá-lo ao longo das Taças do Mundo que vamos ter nos meses seguintes. Sou muito fria nisto e não vou dizer que vou lutar por medalhas, porque sei que é irrealista tendo em conta aquilo que quero atingir ao longo da época, mas quero estar bem e a disputar o Top-10, sem dúvida alguma, que seria um resultado sólido para continuarmos o nosso caminho até Paris.“

A atleta coloca o foco principal nas nações que são adversárias diretas de Portugal, no sentido que competem diretamente com Portugal por pontos e vagas nos Jogos Olímpicos, uma vez que não se classificam automaticamente pelo Madison. Este discurso reflete a abordagem estratégica de Tata Martins, que prefere concentrar-se nas batalhas cruciais da qualificação para os Jogos, mas não esquecendo a forte concorrência vinda de países como Bélgica, Países Baixos e França, reconhecendo a dominância significativa destas nações na conjetura europeia do ciclismo de pista.

Mais informações sobre a qualificação Olímpica no artigo ‘Ciclismo de Pista 101: Jogos Olímpicos 2024’

Nos Europeus de 2024, quais vão ser as maiores adversárias? E qual poderá ser a melhor estratégia para conseguir o melhor resultado possível?

Tata Martins: “Aqui, há várias nações que são fortes e isso é certo e sabido. Mas, neste momento, temos que controlar as adversárias diretas no processo de qualificação; depois ainda temos outras adversárias que estão a competir connosco diretamente para a prova, mas o meu foco será naquelas que estão a concorrer diretamente comigo para a qualificação olímpica. Falo de nações como, por exemplo, a Lituânia e a Irlanda, que não apuram aletas pelo Madison e estão em confronto direto ‘comigo’ para os pontos e vagas nos Jogos. Agora, a nível da competição, temos as belgas, as holandesas e as francesas, infelizmente ou felizmente, na Europa, temos um leque enorme de países que dominam muito o ciclismo de pista (e não só).”

A atleta portuguesa descreve a sua preparação para os Europeus como positiva até o momento. Tradicionalmente, costuma realizar estágios individuais no início do ano. No entanto, este ano, optou por permanecer em casa, evitando apressar o processo devido à proximidade dos Europeus em janeiro e também devido aos múltiplos estágios na pista no Velódromo de Sangalhos, em Anadia. A sua decisão reflete ainda a importância de aproveitar o tempo com a família (e os animais de estimação), elementos vitais para a sua estabilidade durante uma temporada intensiva em competições. A portuguesa ressalva a boa preparação que fez, incluindo os treinos em casa e os estágios com a seleção, mostrando confiança para os próximos Europeus e Taças do Mundo.

Como foi a tua preparação para estes Europeus?

Tata Martins: “Tem sido boa. No início do ano costumo fazer sempre alguns estágios individuais, ou seja, vou duas ou três semanas para Espanha, para as Ilhas Canárias, onde tenho ido ultimamente à procura do bom tempo. Este ano optei por não ir, tendo em conta que os Europeus estavam próximos, achei que ia apressar muito o processo de estágios; além disso, temos tido vários estágios na pista [em Sangalhos]. Optei por ficar em casa, que também é muito bom. Durante o ano são muitos os dias que estamos fora de casa e no final da época eu senti, pelo menos nesta época que passou, que tinha mesmo a necessidade de estar por casa: só ‘existir’ em casa com os meus animais e a minha família, só essas coisas simples que depois nos fazem falta. Isto também é importante para termos estabilidade e maturidade mental nos dias de competição e, portanto, acho que tem sido bom.”

“Tem sido uma boa preparação e agora é continuar, os europeus estão aí a chegar e depois as Taças do Mundo e vamos confiantes, eu estou confiante, vai ser um bom ano.”

Tata Martins

No seguimento da entrevista com Iúri Leitão, questionamos Tata Martins acerca do ambiente da Seleão Nacional de Pista, e as respostas não mentem: o ambiente é excecional e único. Martins enfatiza a força e a coesão que este grupo cultivou e se reflete nas corridas e nos resultados recentes. A atleta atribui parte significativa do sucesso à união, compreensão e também à liderança de Gabriel Mendes, selecionar nacional. O grupo é repetidamente identificado como uma peça crucial para o êxito alcançado por Portugal na pista.

Como é o ambiente da seleção nacional de pista?

Tata Martins: “É um ambiente único, eu não vejo isto em mais nenhuma seleção, criámos uma força muito grande neste grupo e isso depois transparece para as corridas. Tudo o que temos alcançado ultimamente é fruto do trabalho que nós, enquanto grupo, fazemos em união e cumplicidade, e obviamente devido ao nosso obreiro, o Gabriel [Mendes]. Ele de facto tem muita importância em tudo o que nós fazemos, e o grupo que temos é único e, diria mesmo, responsável por todo o sucesso que a pista tem tido ultimamente em Portugal.”

Enquanto a pista e os Jogos Olímpicos 2024 permanecem como foco principal, o futuro de Tata Martins na estrada está sob o olhar atento dos aficionados de ciclismo. Ainda sem uma divulgação oficial sobre a sua equipa para a temporada que agora começa, a atleta reconhece a complexidade da sua situação de carreira, indicando que as coisas ainda não estão totalmente definidas e reconhecendo os desafios enfrentados no ano anterior; destacou ainda a necessidade de encontrar um equilíbrio entre ambas as facetas da sua carreira desportiva.

Qual será o teu futuro na estrada? Como é conciliar a temporada de estrada com as corridas de pista?

Tata Martins: “Ainda não tenho as coisas bem acertadas, portanto não consigo confirmar nada. Este ano foi complicado, andamos a trabalhar nesse aspeto. Como atleta, estar integrada numa equipa, tendo dois lados a puxar em direções opostas, foi complicado. Para 2024, eu não quero estar nesse registro outra vez. Eu tenho um compromisso com a pista, os Jogos Olímpicos, e isso para mim tem de ser uma prioridade para 2024. No entanto, quero manter a estrada. Vou ter de arranjar uma solução para conseguir conciliar.”

Tata Martins conclui expressando confiança perante os desafios que se avizinham, antecipando as próximas competições com otimismo e estando ciente de que o espírito colaborativo da seleção continuará a ser uma força impulsionadora para si e todos os atletas portugueses que vão alinhar nestes Campeonatos Europeus.

Com a promessa de um ano de sucesso, encerramos esta entrevista. Fiquem desse lado a acompanhar a Seleção Nacional de Pista, com a Portuguese Cycling Magazine, nesta jornada até aos Jogos Olímpicos 2024!