Jai Hindley é talvez o nome menos conhecido da luta pela vitória no Giro d’Italia de 2022. Contudo, não se pode dizer que o ciclista australiano de 26 anos não conheça os traços de uma luta desse tipo, ou sequer a sensação de liderar uma prova deste tipo. Em 2020, envergou a camisola rosa por 1 dia e estar próximo de o conseguir novamente traz uma motivação especial, após uma época de 2021 complicada.
Mas primeiro, foco nas incidências da corrida, mais concretamente na etapa de Turim, que começou a ser preparada desde há muitos meses: “O Wilco Kelderman e o Enrico Gasparotto analisaram a etapa durante a Milano–Torino deste ano. Depois da corrida fizeram o reconhecimento por ali, porque o Gasparotto achou que poderia ser uma oportunidade para endurecer a corrida no Giro”. Assim, a Bora Hansgrohe chegou ao dia com um plano bem delineado: “explodir com a corrida e deixar nomes importantes da geral para trás”. O resultado foi “um dia épico”, que contudo “não foi um dia de ganhar o Giro”.
Contudo, o bom posicionamento de Hindley à geral não implica uma mudança de estratégia e o próprio não reconhece necessidade de mudar uma fórmula que tem resultado: “O trabalho que fizemos até este ponto tem sido excecional” e a equipa procurará aproveitar também a presença de Emmanuel Buchmann no top 10 da geral: “No ciclismo moderno é comum ter vários ciclistas líderes na mesma equipa e dentro do top 10. Estamos ambos em boa forma e isso tira um pouco de pressão”, além de que “estando ambos no top 10, podemos usar isso como vantagem no jogo tático”. O objetivo é “conseguir o melhor resultado possível para a equipa” e o tremendo espírito de equipa não surge refletido apenas em afirmações como estas, mas também em ações concretas, como a entrada de Kelderman ao serviço após “um dia muito mau”.
Regressamos então ao momento em que este espírito começou a ser construído, no campo austríaco de outubro de 2021, onde Hindley teve o primeiro contacto com a formação germânica. “Como tinha acabado a época, foi tudo muito descontraído e foi bom criar algumas ligações com os novos companheiros de equipa. Todos nos damos muito bem dentro da equipa, é muito bom fazer parte deste grupo”. Esta situação contrasta claramente com o ano de 2021 de Hindley, que classifica como um ano “frustrante, porque eu vinha de fazer um 2º lugar no Giro em 2020 e queria provar a mim e a todos que isso não foi só obra do acaso”. Assim, a entrada na Bora, uma equipa da qual sempre apreciou a forma de correr, “foi um como um novo começo e agora estou mais motivado para ganhar corridas outra vez”.
Em relação à última semana do Giro, Jai Hindley considera que “todos os dias vão ser difíceis e vão fazer uma seleção natural. Acho que vai ser uma boa semana e estou à espera disso”. Quando questionado sobre etapas-chave dentro dessa semana, o ciclista australiano vai mais ao pormenor do que Richard Carapaz: “Amanhã vai ser uma etapa épica. Vai ser uma etapa dura logo desde início e sendo uma etapa depois do dia de descanso é sempre interessante. Eu acho que amanhã poderemos ver grandes coisas a acontecer com os ciclistas da geral, alguns a ganhar tempo e outros a perder tempo”. Outro dia importante será certamente o contrarrelógio, que Hindley conhece: “O crono vai ser muito idêntico ao de 2019, em que eu estive presente, e penso que irá ser um crono engraçado, com a subida e a descida para a cidade. Há dois anos, em 2020, não fiz um mau contrarrelógio, mas espero fazer melhor”.
Todos os ciclistas têm ídolos e Hindley não é exceção: “Lembro-me de ver ciclistas como o Robbie McEwen e o Stuart O’Grady no Tour, era muito interessante vê-los na televisão, e a partir daí quis ser um ciclista profissional. Foi verdadeiramente inspirador ver ciclistas do meu país a conseguir grandes resultados na Europa”. Como maior inspiração, refere o antigo companheiro de equipa e já reformado ciclista Robert Power: “Foi alguém para quem eu olhava com admiração, que tinha um background muito semelhante ao meu. Ele começou a causar grande sensação no pelotão sub-23 e vê-lo foi uma grande inspiração. Ainda hoje é um grande amigo”.
É impossível falar de grandes ciclistas australianos sem tocar em Cadel Evans, o primeiro e único australiano a vencer uma grande volta, feito que Hindley tem hipótese de igualar: “Ganhar também uma grande volta e pôr o meu nome nos livros de história seria algo especial”. Assim, a Portuguese Cycling Magazine colocou-lhe um desafio: nomear uma qualidade da lenda do vencedor do Tour 2011 que se pudesse, pedir-lhe-ia emprestada para usar nesta última semana de Giro. “Se tivesse de escolher uma qualidade dele seria o seu ‘motor’, ele era uma besta na bicicleta”. Evans é de facto um campeão, na estrada e fora dela: “É uma pessoa muito fixe, tenho contactado com ele nos últimos anos, ele é muito amigável e envia-me sempre uma mensagem de apoio”. Esse apoio estender-se-á certamente aos fãs de ciclismo na Austrália, que à semelhança dos seus homólogos portugueses, sonham cor-de-rosa.