A lenda do ciclismo português fala sobre a sua carreira, a evolução do ciclismo português e a sua participação na Figueira Champions Classic como embaixador.
Acácio da Silva é um dos melhores ciclistas portugueses de todos os tempos. Ao longo da sua carreira, conquistou etapas no Giro d’Italia e no Tour de France, vestiu as camisolas rosa e amarela. Residente no Luxemburgo desde os 7 anos de idade, regressa a Portugal agora com 63 anos, para atuar como Embaixador da Figueira Champions Classic em conjunto com outra lenda do ciclismo: Sean Kelly.
A carreira de Acácio da Silva no ciclismo começou aos 17 anos. “Tinha dois irmãos mais velhos, o Francisco e o José, que já corriam a nível internacional com bons resultados, e depois deu-me aquela pica para seguir as pisadas deles”. Com ‘aquela pica’ e uma ajuda importante do seu patrão na altura, que lhe comprou a primeira bicicleta, conseguiu ingressar na equipa de clube da sua terra, o CC Dudelange. A partir daí, o percurso de Acácio até ao mais alto nível do ciclismo foi sustentado: “Fiz dois anos de júnior, dois anos de amador e passei a profissional na Suíça”.
Foi em 1982, com a mudança do Luxemburgo para junto da equipa Royal – Oliver Tex, que “tudo começou” para Acácio da Silva, logo com uma grande volta no programa: o Giro d’Italia. Dessa primeira experiência, Acácio leva “a diferença enorme para os grandes nomes do ciclismo” e condições que “eram de outro nível”. O contraste inicial transformou-se, com o passar do tempo, em aprendizagem. Voltou ao Giro em 1983, 1984 e em 1985, o maior sucesso chegou ao oitavo dia de competição, em Matera. “Ganhei a minha primeira etapa e a sensação foi de algo que já estava à espera há muito tempo, como que ‘tu também consegues’. Depois o nó abriu e dois dias mais tarde, ganhei outra etapa.” Nos anos seguintes, colecionaria participações e vitórias não só no Giro d’Italia, mas também no Tour de France.
Um conto de duas camisolas
O ano de 1989 trouxe o momento mais alto da carreira de Acácio da Silva, quando um mês depois de envergar a camisola rosa do Giro, conquistou a primeira etapa em linha do Tour, com partida e chegada no Luxemburgo, e vestiu a camisola amarela perante a euforia dos milhares de portugueses da comunidade emigrante local. “Já tinha ganho duas etapas antes, mas em 1989 foi mesmo onde eu comecei no ciclismo: o que o ciclismo me deu, eu dei na mesma moeda”. O círculo que levou Acácio da Silva até à camisola amarela deixa uma marca para além do local onde deu as primeiras pedaladas. “Sempre foi uma meta, porque quando tinha 17 anos vesti a camisola amarela do Luis Ocaña”, um acontecimento causado por Johny Schleck, pai de Frank e Andy Schleck. “Ele era da equipa com que o Luis Ocaña ganhou a Volta à França e, no Dia da Bicicleta, deu-me essa camisola para eu vestir”. O sonho dos 17 ficaria cumprido aos 28, no mesmo Luxemburgo que viu Acácio nascer para o ciclismo e que tanto celebra a modalidade.
Do Luxemburgo, o Tour desse ano seguiu para a Bélgica, mas só em território francês é que Acácio da Silva perderia a camisola amarela, num contrarrelógio de longa quilometragem, e logo para Greg Lemond. “Vestir a camisola é fácil”, admite ao descrever a sua vitória como um misto de sorte e inteligência, “mas para defender a camisola é preciso muita energia, não só de mim, mas da equipa toda”. A dificuldade passa não apenas pelo controlo de um pelotão de 200 corredores, mas também pela necessidade dos ciclistas se adaptarem aos vários percursos que atravessam no dia-a-dia, desde as montanhas ao contrarrelógio. Neste contexto, a equipa torna-se essencial: “Toda a equipa tem de estar envolvida a defender a camisola, porque a camisola é que conta.”
Lançado a Acácio da Silva o desafio de escolher a camisola que lhe trouxe mais alegria, entre a camisola rosa do Giro e a camisola amarela do Tour, o estatuto da prova francesa pesa mais nos ombros. “A camisola amarela é a mais valiosa, porque é a Volta à França, a volta que se vê mais mundialmente e com o melhor pelotão do mundo”, mas isso não significa que a Maglia Rosa também não tenha um sabor especial. “Como foi a primeira camisola, foi uma sensação muito bonita e foi bom para a equipa, para os patrocinadores, para todo o mundo. Como gostava muito de correr em Itália, foi também o meu obrigado para Itália.”
A volta das lendas
Ao longo da sua carreira internacional, Acácio da Silva correu com ciclistas que hoje consideramos lendas do ciclismo, como Bernard Hinault, Greg Lemond ou Sean Kelly, que volta a reencontrar já no próximo fim-de-semana, como embaixador da Figueira Champions Classic. O nome do irlandês fá-lo puxar pela memória. “Antes de o Sean Kelly subir a profissional, correu na equipa de Metz com os meus irmãos, o Francisco e o José”, mas a amizade chegou também para si, uma vez que foi colega de equipa de Kelly durante cinco anos, tempo em que o irlandês ganhou uma Vuelta a España, e até aos dias de hoje, continua a ser, além de um grande amigo, o ciclista que mais admira. “Entre ele e eu, o contacto passa sempre bem. É um grande amigo, que respeita tanto os pequenos como os grandes”.
Outro corredor para o qual Acácio reserva uma grande admiração é Bernard Hinault. “Quando ele queria ir embora [atacar], dizia e ia, sem perguntar a ninguém!”, acrescentando que nem o aviso fazia com que os adversários alcançassem o francês. O campeão de cinco Tours tem mais lados para além da competição: “Ainda hoje, é uma pessoa que vejo uma ou duas vezes por ano, quando vamos à terra dele fazer uma corrida de beneficência para pessoas com deficiência”.
Nesta conversa sobre lendas do ciclismo, não podia faltar a maior do ciclismo português: Joaquim Agostinho. Acácio da Silva correu com ele na Volta à Suíça 1983, tendo sido 8º enquanto Agostinho foi 13º, e confessa ter recebido muitos conselhos dele. “Na equipa do Kelly [Velda – Lano – Flandria] estava o Jean de Gribaldy, que foi diretor do Joaquim Agostinho, e ele não parava de me telefonar, todos os anos, para ir para a equipa dele”. Mas apesar dos esforços do diretor desportivo francês, o destino não atendeu à junção dos dois portugueses. “Em 1986, ele lá conseguiu que eu fosse para a equipa e também queria o Joaquim Agostinho. Mas ele faleceu em 1984 e nunca corremos juntos…”
Portugal, eterna saudade
Tal como Joaquim Agostinho, Portugal é de eterna saudade para Acácio da Silva, natural de Montalegre que, com apenas 7 anos de idade, acompanhou os pais em busca de uma vida melhor no Grão-Ducado do centro da Europa. “Eu comecei aqui no ciclismo, mas não podíamos correr todas as corridas daqui, nem podíamos correr na equipa nacional do Luxemburgo, porque éramos portugueses”. Apesar destas dificuldades, tudo acabou por correr bem e hoje, continua a viver no país que o acolheu, agora com dois filhos. A natureza da sua ligação a Portugal ficou evidente pela emoção que sentiu ao sagrar-se campeão nacional de Portugal, em 1986: “Eu sou português e uma pessoa não se pode esquecer de onde vem. A minha ideia foi sempre ser campeão de Portugal, pelo menos um ano. Aconteceu em 1986. Um título nacional nunca é uma grande corrida, mas fica sempre guardado no coração”.
Nesse sentido, Acácio da Silva foi o primeiro ciclista português verdadeiramente internacional, e ainda hoje os ciclistas portugueses precisam de sê-lo para alcançar o sucesso. “Hoje é mais fácil uma pessoa deslocar-se”, afirma comparando as duas realidades, o que aumenta também a qualidade do ‘produto exportado’. “Os ciclistas portugueses já têm outra escola, sabem como se treina, tudo isso. Na minha altura não havia nada disso. Portugal sempre teve bons ciclistas, mas hoje tem ainda mais”. Apesar de deslocado, Acácio da Silva não deixa de acompanhar a realidade do ciclismo nacional, reconhecendo as dificuldades. “Das equipas portuguesas, uma pessoa não pode atingir o internacional, tem de ir para fora para competir nas corridas internacionais. O ciclismo nacional não faz muitas provas fora, porque custam dinheiro e os patrocinadores em Portugal não são como aqui”. Não obstante o reconhecimento dessas dificuldades, conclui o seu raciocínio com um toque de otimismo: “É fazível, mas com patrocinadores que metam mais dinheiro nas equipas.”
Questionado se desejaria ter um papel mais preponderante no ciclismo português, Acácio da Silva sublinha que “o ciclismo deu-me muita coisa, tanto que uma pessoa não pode pagar” e aponta para a dimensão internacional da modalidade, que não é porém incompatível com a realidade nacional. “É um desporto que precisa de todas as ajudas e conhecimentos deste mundo fora. Mas eu gostava também de ter ajudado o ciclismo a nível nacional, com a Federação, numa equipa, como embaixador de corridas, o quer que fosse. Estou sempre disponível.”
Discutindo a projeção internacional do ciclismo português, os paralelos entre Acácio da Silva e João Almeida são incontornáveis. Começámos a dar conta deles em 2020, quando Almeida replicou o feito do seu compatriota, vestindo a camisola rosa do Giro após uma chegada ao Monte Etna. “Estive com ele na Volta ao Luxemburgo que ele venceu, todos os dias, e já seguia os resultados dele desde a Volta à Itália”, sendo evidente para Acácio que João Almeida “é um grande ciclista, um ciclista de grandes voltas”. Não tão evidente é, naturalmente, a previsão de que ele pode um dia ganhar uma grande volta, por uma razão em particular: “Ele precisa de ter ao lado dele uma equipa que acredita nele. Para mim, as equipas ainda não acreditam nele a 100%”. Contudo, este não é um problema de maior na visão de Acácio da Silva. “Ele ainda é novo, tem que aprender, tem de ter a vontade de fazer calo, e assim uma equipa grande tem de acreditar nele, porque há poucos como o João Almeida para ganhar uma grande volta.” A crença é reafirmada com a autoridade de quem já vestiu camisolas rosas, e até amarelas. “Eu acredito nele, e ele não pode parar de acreditar nele. Só precisa de experiência, que vem com a idade, e penso que o João pode ganhar uma Volta à França. Eu digo que é fazível!”
Não são apenas os ciclistas que marcam a evolução do ciclismo português, mas também provas como a Figueira Champions Classic, uma iniciativa pela qual Acácio da Silva congratula Carlos Pereira, o diretor da corrida, com quem mantém uma relação de longa data. “Corri com ele naquela altura [anos 1990], ele no Boavista e eu na Jumbo-Maia. Ficámos amigos, nunca nos chateamos um com o outro, porque dentro da corrida é uma coisa, e fora da corrida é outra. Penso que o Carlos é uma pessoa fantástica, que sabe o que faz”. Quanto à sua condição de embaixador, Acácio reforça que “o que posso dar ao ciclismo dou” e refere o valor acrescentado pela Figueira Champions Classic ao ciclismo português: “Portugal ter esta clássica é muito bom para o país, para o ciclismo, para todo o mundo. Ter os melhores ciclistas, pela segunda vez, só pode acrescentar valor e, daqui por uns anos, pode crescer ainda mais.”
Acácio da Silva conclui esta entrevista com um agradecimento especial a todos aqueles que reconhecem o seu contributo para o ciclismo, e mostra-se ansioso para o encontro com os fãs na Figueira Champions Classic. Agradecemos a Acácio da Silva e à organização da Figueira Champions Classic pela oportunidade de conversar com um dos melhores ciclistas portugueses de sempre, e partilhamos do seu entusiasmo em relação à Clássica!
Foto de capa: António Pires/Contacto.lu
Ciao Acacio, come stai?